Segundo Espinosa, a
diferença que existe entre a ideia adequada e a inadequada é sentida em nós por
algo que não é totalmente teórico ou apenas ligado à inteligência livresca,
acadêmica. Segundo ele, a ideia adequada “como que nos segura pela mão e conduz”.
A ideia inadequada, ao contrário, põe-nos à parte e nos isola: nos isola dos outros, nos
isola da compreensão, nos isola de nós mesmos. Ela nos isola sobretudo daquilo
que podemos.
Com-preender:
apreender junto. A ideia adequada nasce da compreensão, e compreender é mais do
que o mero conhecer. Assim, a ideia adequada não nos diz, ordenando: “Eu vou na frente, e você vai
atrás, me seguindo. E não aceito desvios! Mantenha o foco!”. Ela também não nos
diz aonde ir, apenas apontando o caminho e ficando parada, sem nos acompanhar. Diferentemente,
a ideia adequada estende a mão, espera pela nossa, e vai junto, ao lado,
encorajando que caminhemos com nossas próprias pernas, até que nossos passos
compreendam o ritmo dos passos dela e, com esforço cada vez menor, mas sempre
com algum esforço, sigamos em frente, perseverantemente.
Certa vez, antes de
começar uma aula, eu estava hesitante, estanquei. Até que uma ideia adequada
estendeu sua mão para mim. Então, eu a segurei, nasceu a confiança e , agenciado
com a ideia, caminhei. A ideia adequada me auxiliava na compreensão. E toda
ideia adequada fornece a compreensão não apenas dela, mas sobretudo de nós
mesmos.
Era a minha mão esquerda,
a mão do coração, que estava unida à mão
da ideia adequada. Virei para olhar para ela. A minha compreensão dela
então aumentou, pois ela também estava de mão dada com outra ideia, e , através
dela, compreendi essa outra ideia também. E esta igualmente não estava solitária: ela
também estava de mão dada com outra ideia dela diferente. Minha compreensão então aumentou,
pois em primeiro lugar, e antes de tudo, aumentava minha compreensão de mim
mesmo. Eu aumentava não em tamanho ou prepotência, eu aumentava por dentro e,
aumentando eu mesmo, aumentava o caminho. E outra ideia estava unida à esta
última, e esta à outra...de tal modo que
não havia última, apenas meio, processo...Eu fazia parte de uma conexão de
ideias, de um agenciamento de ideias, agenciamento este do qual eu era um elo,
e não um ponto-ego cartesiano.
A primeira ideia foi um
intercessor para mim. Intercessor: “aquele que abre portas”. Reparei então que
a conexão de ideias se estendia ao horizonte, tornando tudo horizonte, e assim
elas me faziam ir para além do aqui e agora. Eu permanecia ligado ao aqui e
agora, contudo o potencializava pelas ideias que se abriam e me conectavam com
o horizonte de ideias. Pois as ideias não são muros ou cercas, elas são e
formam aberturas , horizontamentos,
diria o poeta Manoel de Barros.
Até que reparei, ainda sem olhar, que minha mão direita, que eu supunha sozinha, na verdade não estava só. Havia também outra mão a segurando, de tal modo que eu também conduzia, eu que era, no entanto, conduzido pela conexão de ideias, e não mais apenas por aquela primeira ideia que me tirou do medo, da desconfiança e da limitação.
A primeira ideia me produziu
um deslimite , como também me produz um deslimite a poesia de Manoel. Virei-me
então para ver quem segurava minha mão e ia também comigo e, através de mim,
alcançava o horizonte. Era uma pessoa que me ouvia. E, ao lado dela, segurando
também sua mão, havia outra pessoa. E
depois outra, e outra...Até que também vi, fazendo parte daquela conexão que
conduz e horizonta , também vi um menino de rua , que largou seu canivete e
confiou dar a mão à educação. Vi também uma criança que, na sua inocência,
imaginava que brincávamos de roda ( e , olhando bem, estávamos mesmo a
brincar...);vi também um indígena, vi depois um homem da lei que, largando os
códigos, deixou-se conduzir pela justiça; vi ainda uma borboleta recém saída de sua metamorfose; vi Manoel de Barros também conectado à
nossa conexão : ele sorria com aquela nossa peraltagem... Tentei ver quem era então o
último daquela conexão, mas parecia não haver, tampouco havia mais o primeiro.
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