No texto A origem da geometria[1], Michel Serres nos fala da origem egípcia da geometria e sua influência sobre a filosofia grega. Tales e Platão dão o testemunho do diálogo inaugural entre a Grécia e o Egito, entre a pólis e a paisagem desértica, entre a escola filosófica e o plano abstrato e liso[2] do deserto, enfim, entre o pensamento filosófico e uma parte do mundo na qual África e Ásia fazem vizinhança.
É certo que todo monoteísmo é filho do deserto. Porém, não são o mesmo
deserto o de Moisés e Maomé e o que viu
nascer a geometria em torno das pirâmides. O deserto teológico-político é mais
hostil, pedregoso , carente de oásis...Neste tipo de deserto, o medo desperta a
imaginação reativa que, fomentada pela palavra de ordem dos profetas, passa a delirar oásis no além. Já o deserto que viu nascer a geometria lembra um
oceano branco e aberto , espelho na terra do amplo céu.
O deserto teológico-político é
sobrecodificado pelas “estrias da Lei”, ao passo que o deserto liso é espaço nomádico: a presença de um sol sem
nuvens projetando as sombras das
pirâmides sobre a tela plana do deserto, como uma lousa sem bordas, criou um espaço abstrato propício à
desterritorialização do pensamento em relação a todo empírico dado, para a
mente então se reterritorializar sobre si mesma
e criar sua linguagem geométrica solar, apolínia. Não é uma linguagem
fruto do medo e que exige obediência a profetas, é
uma linguagem que emancipa o pensamento e o ilumina com a ciência.
Ecos dessa geometria lisa criada pela própria natureza chega até
Espinosa, que a reinventa. Pois em Espinosa
a Natureza não está contida ou limitada pelas formas geométricas-apolínias,
como a interpretou Platão; ao contrário, são as formas geométricas que estão
contidas e são explicadas pela Potência Incontível , “Dionisíaca”, da Natureza.
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