quarta-feira, 5 de junho de 2024

Espinosa: o ébrio...

 

                            ESPINOSA: O ÉBRIO DE REAL[1]

 

Referindo-se a Espinosa, Roman Rolland dizia que não capta toda a potência do filósofo quem apenas o etiqueta como um “racionalista”, tampouco compreende e sente todos os sentidos que pulsam na Ética quem apenas se detém em sua forma de exposição geométrica.

Para Roman Rolland, Espinosa é um “realista” singularíssimo e único em seu “realismo”, pois ele não é um realista à maneira daqueles que opõem o Real ao  Possível, a Forma à  Potência . Espinosa é um “ébrio do Real”[2], assim o define Romand. Espinosa é um embriagado pelo Absolutamente Infinito.

Nós não somos Deus, nós somos em Deus, e sem Deus não podemos existir e nem sermos concebidos , sobretudo sermos concebidos/compreendidos por nós mesmos. Em Espinosa, Deus é o Real.

Espinosa não é um ébrio de sonhos, não é um ébrio de utopias, não é um ébrio de imaginários . Espinosa é um ébrio do Real. Há no Real mais do que há nos sonhos, utopias e imaginários. Sua embriaguez não é um escapismo ou anestesia; ao contrário, sua embriaguez é uma intensificação de nossa potência de pensar e agir , sempre em alegria.

Para Roman, ler um autor não é descobri-lo, e sim descobrir um eu nosso ainda desconhecido. Não um eu idealizado ou imaginado, mas um eu como parte do Real, um eu cujo desejo tenha por objeto não fantasias, sonhos ou utopias, mas o próprio Real, para assim fazer-se real, pensando, sentindo e , sobretudo, agindo. Sem  faltar-se a si mesmo, de Real preencher-se,  em alegria.

Em grego, “embriaguez” é “bacchus”, termo que também se refere a Dioniso, uma vez que a embriaguez dionísica é o efeito de uma tal intensificação da vida, quando  ela  se torna a mesma coisa que arte.

O poeta Baudelaire dizia: “É preciso embriagar-se. De quê? De vinho virtude ou poesia, a escolher. Mas embriaguem-se!”

Espinosa escolheu embriagar-se de Real. Não é uma embriaguez motivada por fantasias do imaginário; além disso, é uma embriaguez que aponta para um fora do simbólico: um fora que é, no entanto, imanente ao desejo.

Poeticamente, Romain descreve essa embriaguez em uma imagem belíssima: o Real é o Sol Eterno  cuja luz potente preenche a taça dos olhos de Espinosa que , como farol a desfazer toda forma de treva,  brindando à vida  irradia lucidez. Eu faria apenas um acréscimo: há em Espinosa não apenas a luz do sol apolínia, brilha nele igualmente a multitudo das luzes estelares dionisíacas. São todas essas luzes, diurnas e noturnas, apolínias e dionisíacas, que fazem dele um lúcido: “aquele que expressa lux ( luz)”.

Em Espinosa, a eternidade não é uma realidade fria e abstrata. Tudo o que é eterno frui sua existência infinitamente. Em latim, “fruir” é um verbo do qual vem “fruto”, aquilo que se saboreia e usufrui. Esse fruir de si enquanto modo daquilo que é eterno não se faz sem embriaguez que se desfruta, enquanto dura o tempo.

 

 



[1] Texto-aula elaborado pelo prof. Elton Luiz.

[2] Considero a expressão “ébrio de Real” mais adequada do que “ébrio de Deus”, que é a maneira como o poeta Novalis se refere a Espinosa ( e que Diogo Pires, em sua Introdução à Ética de Espinosa, também emprega para se referir ao filósofo).  É o Real que faz de Espinosa um lúcido, isto é, aquele que expressa luz : em Espinosa,  a lucidez serve de antídoto ante  toda forma de obscuridade que instrumentaliza a ideia de Deus no sentido da superstição  do poder teológico-político. 

 

Referência :





[1] Texto-aula elaborado pelo prof. Elton Luiz.

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