quarta-feira, 19 de junho de 2024

HOJE, 19 DE JUNHO, CHICO FAZ 80 ANOS

 

Antes de ouvir Chico, eu o li. Eu  tinha por volta  de 12 anos. Antes de ouvi-lo como música, eu o li como poesia: como poesia que se lê para ampliar nosso pensar e sentir. A primeira vez que li Chico foi na escola,  ainda pairava sobre nós a sombra da dit4dura. 

Eu já  sabia ler livros : de história, de geografia e até livros de literatura. Porém, até então eu não havia experimentado toda a potência que pode haver na leitura.

Foi a poesia que vive na canção popular  que, quando criança,  me fez aprender a ler não apenas a letra, mas o mundo que ela expressa: mundo por descobrir.

Li pela primeira vez Chico  numa aula de língua portuguesa . Ao invés daqueles livros re4cionários  que, na parte de interpretação de textos,  empregavam os “parnasianos” , a nossa querida professora  resolveu adotar um livro diferente, plural :o livro apresentava  as letras de músicas dos compositores que participaram dos Festivais da Canção . Tais Festivais eram ainda  recentes, eu era bem pequeno quando eles aconteceram, não tinha memória ou vivência deles.

Quando em sala de aula  li  pela primeira vez “Construção”, de Chico, experimentei o que Deleuze e Guattari chamam de “desterritorialização”.  Desterritorializar-se é libertar-se  do acostumado de toda cartilha ,incluindo as cartilhas que tentam aprisionar  nossa mente e sensibilidade.

Ao ler Chico, eu não apenas me desterritorializava : eu também me reterritorializava num território composto de   sensações e afetos novos que me faziam crescer por dentro. Ao ler o poeta ,enfim, fui por ele lido: e me descobri  também  como poema a fazer-se.

 Esse novo território não tinha limites ou cercas, ele era ilimitado, aberto, e me  ampliava para além dos muros da escola: me lançava na rua , me inseria no cosmos.

Foi a partir dali que tomei gosto  pela leitura  e  compreendi que todo ler também é um “ ler-se ” : ler a si e a sociedade da qual fazemos parte  , para que a  leitura não seja apenas de palavras, e sim dos sentidos existenciais  que nunca poderão  ser reduzidos apenas a livros , muitos menos os de “Moral e Cívica” , a cartilha com a qual os milic0s queriam nos adestrar.

Embora eu não entendesse intelectualmente todos os significados imanentes à letra do Chico, algo em mim ali “desabriu” e “horizontou”, como diz Manoel de Barros. E não sem alegria, a mesma que depois aprendi em Espinosa.

Chico nos ensinava que era possível resistir cantando , e que o cantar  se torna ainda mais forte quando se canta junto, sobretudo quando os autorit4rios querem nos amordaçar, ontem e hoje.

E creio que foi ali que começou a nascer em mim, ainda em embrião, o filósofo. Pois quando o pensar e o sentir  se tornam  duas asas abertas para voos de (auto)descobertas, aprendemos  o que Deleuze assim chamou: pop’filosofia!















E ontem foi o aniversário da grande Bethânia ( 79 anos):



Bethânia lendo Manoel ( trecho do filme "Língua de brincar", de Gabraz Sanna):




Chico & Bethânia:



Para esconjurar o f4scismo, os fundamentalismos doentios e toda forma de ignorância:



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