sexta-feira, 29 de maio de 2020

ética, virtude e potência


Ética não é a mesma coisa que moral. “Moral” vem do latim  “mores”, que significa “costume”; já “Ética” nasce da palavra grega “ethos”, cujo sentido é “caráter”. O costume está sempre ligado a um grupo, ao passo que o caráter é característica de uma pessoa ou indivíduo. É por isso que a moral tende a ser conservadora , e pode servir de escudo hipócrita para esconder  indivíduos sem caráter.  Embora o caráter seja uma característica individual , é na relação com o outro, na dimensão social, que cada um revela o caráter que tem , na ação que verdadeiramente  faz, e não em meras palavras. Em geral, o moralista está sempre evocando uma “Verdade acima de todos” que dá a ele, o moralista, o poder que tem, e em nome do qual quer ser obedecido, mesmo que à força. Já o homem de caráter conquista companheiros  pela eloquência de suas ações, ações essas que o tornam um exemplo. Enquanto toda moral tende a ser conservadora, há éticas revolucionárias. Espinosa, Nietzsche, Deleuze, Foucault, Bakunin...não são moralistas, mas há neles uma ética. Há indivíduos moralistas sem ética ( caráter), mas quem tem ética se preocupa em potencializar a vida , criar um sentido libertário para ela, e não em impor morais de rebanho. O caráter não é um dom “sobrenatural”, ele precisa ser descoberto , cultivado, fortalecido. O que fortalece o caráter são as “virtudes”. Essa palavra vem de “virtu”, cuja tradução é “força potencial” . Quando a corda do arco é puxada, nasce nela uma “força potencial” ou tensão capaz de lançar a flecha longe. O coração tensiona suas fibras para  impulsionar    o sangue, fluxo da vida,  por  todo o corpo  . As cordas do violão somente produzem música quando tensionadas. “In-tensidade” significa: “ir para dentro da tensão”, enquanto força propulsora de sangue ou arte, de flechas ou ações. São muitas as virtudes :  a justiça, a honestidade, a dignidade...Todas essas virtudes são potências que fortalecem o caráter. Mas de todas as virtudes-potências, a mais necessária é a coragem, pois a coragem é a virtude que nos leva a defender todas as outras virtudes quando elas correm risco: sem coragem não há justiça, honestidade, dignidade...“Coragem” vem de “coração”. Em geral, os muito racionalistas imaginam que o coração é a sede apenas dos sentimentos que se sentem passivamente. Mas eles estão enganados...Pois o coração também é a sede da coragem que impele à ação que protege até mesmo a razão de seus inimigos. Quando Espinosa nomeou seu livro de “Ética”, assim o fez para nos dizer: não há  filosofia , ciência, cultura, educação, democracia, justiça, enfim, liberdade, sem a coragem para defendê-las de seus inimigos, muitas vezes travestidos de moralismo teológico-político.    

A capa do livro mostra as letras B, D e S acompanhadas da imagem de uma rosa ilustrando a palavra latina "caute". As letras significam Benedictus de Spinoza. Quando nasceu, Espinosa foi batizado "Baruch", termo hebraico, porém em casa era chamado de "Bento", pois seus pais eram de origem portuguesa. Muitos autores  dizem que Espinosa pensava em português, embora escrevesse em hebraico, holandês ou latim. Quando foi excomungado, Espinosa rompeu com o nome de origem judaica e renasceu se rebatizando com o nome latino "Benedictus de Spinoza", porém ele nunca rompeu com o "Bento de Espinosa", seu nome mais original e afetivo. E é por isso que prefiro escrever "Espinosa", em referência à língua que também é a nossa. Mas tanto "Espinosa" quanto "Spinoza" são grafias corretas. "Caute" significa "cuidado". "Cuidado" não no sentido de medo ou receio, mas sim enquanto ação de proteger e defender ( no Direito, por exemplo, essa ideia está presente na expressão "medida cautelar", enquanto ação de proteção de direitos). A rosa desabrochada é , em várias tradições , o símbolo da vida.






Em um de seus últimos cursos ministrados, e publicado sob o título "A coragem da verdade", Michel Foucault, que pouco se refere a Espinosa, cita o autor da Ética de uma forma que revela a admiração que nutria por Espinosa. Segundo Foucault, a maioria dos filósofos antigos apenas cultivou o "amor à sabedoria". Mas Espinosa teve a coragem de viver uma vida filosófica, apesar dos perigos que ele corria. O que Foucault chama de "verdade" nada tem a ver com a verdade nos sentidos epistemológico e lógico, e muito menos teológico. Verdade, em Foucault, tem o sentido de "autenticidade". A autenticidade é a adequação entre aquilo que se diz e aquilo que se faz. Autenticidade: virtude-potência de quem é autêntico.






"Livros não mudam o mundo,
  quem muda o mundo são as pessoas.
 Os livros só mudam as pessoas."

(Mário Quintana)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

sobre o "direito a ter e emitir livre opinião"


Se em uma prova de ciências alguém afirma que “a terra é plana” e leva zero , ele não pode contestar a nota alegando que o professor está cerceando o seu direito à “liberdade de ter uma opinião”. Afirmar que “a terra é plana” não é uma opinião, e sim uma ignorância em relação ao conhecimento adequado acerca da terra. Se alguém fala ou escreve algo que discrimina uma pessoa ou uma minoria e é processado por isso, esse alguém não pode dizer que o processo está limitando o seu direito à “liberdade de ter uma opinião”, pois emitir um preconceito ou injúria não é ter uma opinião, e sim mostrar-se um criminoso. O direito a ter e proferir livre opinião é a base ética, política e jurídica da democracia. Mas há um aspecto desse direito que nem sempre é esclarecido. E esclarecer é prática pedagógica que desfaz obscurantismos ( “es-clarecer” vem de “es-claro”: “tornar mais claro” ). O direito à liberdade de opinião é universal quanto à forma e não quanto ao conteúdo, pois há conteúdos que alguém diz ou escreve que não podem ser universalizáveis, já que se revelam erros, preconceitos, intolerâncias ou mesmo crime.
Para Espinosa, por exemplo, pensar não é apenas um direito formal à opinião : pensar também é o que expressamos no conteúdo do que escrevemos ou falamos. O direito à livre expressão da opinião existe em relação a algo que o deve preceder: que é a atividade de pensar. E pensar é a união de uma forma com um conteúdo, pensar é a união da linguagem com as ideias. As ideias são o conteúdo daquele que pensa e age. O pensar é o antídoto para as ignorâncias, sobretudo para aquelas que se mascaram de opinião.
O fascismo é uma ignorância que surge no início como opinião, travestindo-se como direito à liberdade de opinião. O perigo é quando os assim ignorantes tomam o poder do Estado, sobretudo se for pelo voto. Pois o voto que os elegeu apenas na forma é voto, já que seu conteúdo é o ódio à democracia e, mais profundamente, ódio ao pensar , ódio às ideias. O fascismo se vale dos mecanismos formais da democracia , como a eleição e o voto, para logo em seguida mostrar o que ele é em termos de conteúdo: ódio à democracia, ausência de ideias. O fascismo teme as ideias porque é delas que vem a força que lhe resiste e denuncia . E a maneira que o fascismo tem de se defender não é argumentando pautado em ideias, mas empregando a única força que ele conhece: a força da ameaça, do amordaçamento, enfim, a força da polícia ( incluindo as polícias do pensamento).



terça-feira, 26 de maio de 2020

o poema de plotino


Plotino possui uma maneira muito poética de ver o mundo, talvez uma das visões mais poéticas que a filosofia já produziu. Na verdade, não era sua visão que era poética, pois poético era o próprio mundo que Plotino sentiu , viveu e pensou. Assim, para ver esse mundo poético era preciso criar em si olhos para vê-lo, olhos também poéticos. Não se trata do poético no sentido de realidade expressa em palavra e versos, pois poético aqui significa “produção”( poiésis ), no sentido do pintor que produz seu quadro, ou do músico que produz sua música, ou ainda do maestro que produz a unidade compósita, porém variada, dos diversos instrumentos que participam de uma polifonia. Plotino , em princípio, concorda com Platão, a quem tinha por mestre. Plotino é considerado um “neoplatônico”. Mas “neo” , aqui, não significa que Plotino seja um “novo” Platão, e sim que ele viu algo novo que o próprio Platão não viu , embora este fosse seu mestre. Pois é assim que nasce , de um discípulo, um novo mestre: não exatamente negando aquele que foi seu antigo mestre, e sim vendo uma realidade nova que o antigo mestre não viu. Não porque Platão fosse ignorante ou cego, mas sim em razão de ele ainda não possuir os olhos para ver o que viu Plotino. Assim, Plotino concorda com Platão de que existem Formas Puras lá onde o céu começa. Contudo , Plotino viu as Formas como realidade diferente daquela que viu Platão. Para Platão, as Formas existem em si e se bastam nelas mesmas, separadas do devir do mundo. Já Plotino concebe as Formas como uma espécie de “abertura” celeste através da qual flui uma realidade anterior e mais potente do que elas, como uma fonte que jorra . Essa realidade que jorra não se deixa prender por formas , tal como o rio que transborda as margens que o prendem.Essa realidade primeira que jorra atravessando as Formas Plotino a chama de Luz. A Luz irradia de si mesma , atravessa as Formas e as incandesce, fazendo-se assim estrelas. Mas a Luz vai além das Formas: ela “desce” criando a própria realidade na qual ela se torna, virando assim cometas, sóis, planetas, a terra e seus mares, montanhas, árvores , frutos , sementes , flores; a Luz se torna também bicho, pássaro, inseto, peixe...devindo tudo o que vive, ao mesmo tempo una e múltipla. A Luz se torna também a alma e o corpo do homem, para neste ser os olhos com os quais a própria Luz busca ver-se e conhecer-se. E aqueles que mais a veem intensamente, e mesmo sob a noite mais profunda ainda a enxergam, fazem-se pensadores , poetas, criadores , enfim, libertários.
"A cisterna contém; 
a fonte transborda."
( William Blake)

"Poeta é quem possui visão fontana."
(Manoel de Barros)



Obs.: Plotino diferia dos gregos também no seguinte ponto: os gregos achavam que Eros ( o Amor) deveria escolher entre a Alma ( Psiquê) e o Corpo ( Afrodite). Escolhendo a Alma, tal escolha conduziria ao amor   à filosofia; escolhendo  o Corpo, nasce dessa escolha o amor à arte e à poesia. Para Plotino, ao contrário, o autêntico Eros deve viver entre Psiquê e Afrodite, entre a Alma e o Corpo, para assim ser o elo que une a ambos. Assim, segundo Plotino,  para ser filósofo é preciso ser também poeta, pois em todo poeta existe também um filósofo.  


"Como quem espreita o céu 
  e colhe na visão um novo planeta,
  assim fiquei então."
Keats




















segunda-feira, 25 de maio de 2020

no caminho com maiakóvski


“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

(...)
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror."


( trecho do poema “No caminho com Maiakóvski", do poeta Eduardo Alves da Costa)











Museu Maiakóvski:







domingo, 24 de maio de 2020

"Filhos da esperança"


O filme “Filhos da Esperança” (Children of Men ) se passa em 2027 . Nesse futuro próximo um estranho acontecimento assola a humanidade : todas as mulheres do mundo se tornaram estéreis, não nascia uma criança há quase 20 anos ! Por não ter mais futuro, a humanidade não tinha mais projetos, planos, cultivos. Escolas e universidades estavam fechadas. Também estavam fechadas as cadeias: para que prender alguém visando sua recuperação futura se a própria sociedade estava sentenciada à morte? O  poder não prendia: “abatia” ( como faz o governador  do Rio contra as comunidades pobres). Obras de arte que hoje valem milhões eram encontradas jogadas na rua. Simbolicamente, a esterilidade em questão é a perda do sentido do futuro. A cultura, o conhecimento, a política, tudo se tornou estéril. A única instituição que ficou mais forte era o exército, agora com sua verdadeira face: uma facção miliciana contra a sociedade. Os conservadores acham que é o passado a dimensão mais importante . Porém, mais do que conservação do passado, a vida é abertura ao futuro. Se este corre riscos, toda obra humana parece perder sentido.
Contudo, no meio do filme acontece algo extraordinário e imprevisto: uma refugiada jovem, negra e pobre, muito pobre, aparece grávida. A vida ensinava nova lição aos homens, reaparecendo não no ventre de uma mulher da elite, tampouco no altar de um templo, mas no ventre de uma marginalizada. Porém a jovem corria riscos, a milícia  a queria morta. Um personagem um tanto resignado até então decide agir e proteger a jovem grávida. Ambos fogem e se escondem em um casebre abandonado no qual nasce a criança , sendo envolta em farrapos improvisados como manta. Logo precisam fugir novamente e se escondem em um prédio em ruínas onde muitos outros refugiados também se escondiam. Diante do prédio, militares-milicianos atiravam sem parar contra os que estavam lá dentro . O barulho era ensurdecedor. De repente, como se fosse um indignado protesto contra toda aquela loucura, um chorinho começa a ser ouvido. Era o chorinho do bebê recém-nascido. Pouco a pouco, os refugiados, pondo a própria vida em risco, saem de seus esconderijos e esticam a cabeça para verem de onde vinha aquele hino da vida inocente que há muito não ouviam. Um soldado ouve o choro e cala a arma. Faz sinal para que um outro também pare. A criança era a vida a afirmar-se resistindo à morte. Era somente a simples vida, paradoxalmente tão frágil e tão forte. Com a criança no colo, a mãe passa por entre os soldados e os vence sem precisar de armas. Passa diante deles não um rei , príncipe ou figura do Poder, passa uma expressão singular da Potência. Se o Poder é dominação ,entristecimento, e se vale de armas para se fazer obedecer, a Potência é o querer viver que persevera se reinventando Novidade,  futuro que renasce, para que em nós , quem sabe, o mesmo perseverar também se refaça.









- músicas da trilha sonora do filme:





sábado, 23 de maio de 2020

os maus e seus venenos...


Segundo Espinosa, há uma diferença entre as noções de  “mal” e “mau”. O “mal” é o contrário do “bem”, já o “mau” é o oposto do “bom”. Espinosa acreditava que as ideias de “mal” e “bem” podem gerar superstição e equívocos quando se supõe que existe um “Mal” em si, um “Mal” com “M” maiúsculo. Em geral, a maioria daqueles que acreditam em um “Bem” com “B” maiúsculo também creem em um “Mal” com “M” maiúsculo, e para combaterem a esse “Mal”  fazem  coisas  abomináveis, quase sempre em nome de um suposto “Bem” acessível apenas a eles. No passado, era comum personificar o “Mal” chamando-o de “Diabo”. Hoje, os que se autointitulam delirantemente “homens de bem”,  em nome desse mesmo “Bem”  querem se armar para perseguir e exterminar os novos “Diabos”, que na visão paranoica dessa gente seriam os “vermelhos”, os “comunistas”, os “esquerdas”...Para esses lunáticos, “Diabo” é quem não se submete ao delírio de poder deles.  Portanto, argumenta Espinosa, os termos “Mal” e “Bem” , por serem abstratos, podem servir àqueles que, se escondendo atrás da ideia de que servem ao “Bem” e combatem o “Mal”, fazem atrocidades inomináveis. Já a noção de “mau” é concreta e verificável na ação que alguém de fato faz. Também é concreta a ideia de “bom”. Enquanto “Mal” e “Bem” são ideias abstratas , as noções de “bom” e “mau”  se revelam a partir dos encontros que ocorrem em determinada sociedade. Não existem o “bom” e o “mau” em si, pois “bom” e “mau” se revelam nos encontros concretos que acontecem. O bom está em todo encontro que favorece a liberdade, o pensamento, a democracia, a humanidade, a saúde ( do corpo e da alma), enfim, bom é todo encontro que aumenta a potência singular e coletiva, para assim aumentar a vida. O mau é todo encontro que gera servidão, medo, impotência, ignorância, terror, autoritarismo , ou seja, morte. Os maus vivem se  escondendo  atrás da ideia abstrata de “Bem” para assim perpetuarem seus venenos concretos. Em geral, o que caracteriza um “mau encontro” é que uma das partes quer subordinar a outra, enfraquecendo-a, amedrontando-a e a  ameaçando, para assim obter servil obediência. Isso acontece também em termos institucionais. Quando um presidente da república e militares com ele mancomunados se tornam um mau encontro para a sociedade que eles deveriam governar, isso então já não é mais governo, é sentença de morte e veneno que a gente não pode aceitar. Luta-se contra os maus encontros fortalecendo os bons encontros, pois assim como ninguém é servo sozinho ( pois servo é quem se submete a um   tirano), também ninguém é livre sem se agenciar com aquilo que nos fortalece.

____

Nietzsche também diz algo parecido ao afirmar que "para além do Bem e do Mal não significa para além do bom e do mau". Inclusive, Nietzsche faz uma etimologia do termo "bom", "bonus", e mostra que essa palavra está na origem do termo "nobre", ao passo que "mau" significa "vil". "Nobre" é toda potência que cria, mesmo que antes precise destruir ( "Só podemos destruir sendo criadores", diz ele), ao passo que vil é toda força reativa que deifica o destruir e estigmatiza toda forma de criar.Nobre é a arte, no seu sentido amplo e variado, vil são os ressentidos que se vingam contra a vida. Essa vingança ora toma a forma de ideologia política ou antipolítica, como o fascismo, ora toma a feição de fanatismos fundamentalistas, ora assume a forma de um culto à força militarizada autoritária, ora se mostra como a combinação funesta e perigosa, extremamente perigosa, de todos esses ódios ressentidos contra a vida.




quinta-feira, 21 de maio de 2020

pindorama e as flores do ipê


A flor do ipê é uma das poucas que floresce colorida durante todo o ano, resistindo até  mesmo  ao  cinza do inverno. A flor do ipê assim nos mostra que é possível ser forte e resistente  sem perder  a arte de criar beleza. Antes de os colonizadores aqui chegarem, os índios acreditavam que o ipê era a  própria expressão da força fértil de Pindorama, nossa Terra-Mãe ancestral . Na mitologia tupi-guarani, um dos sentidos de Pindorama é: “terra onde os maus são vencidos”. As flores do ipê são sempre de cores múltiplas, combinando o púrpura, o rosa, o branco e o amarelo . Os colonizadores tentaram acabar com o ipê, porém não conseguiram. Então, descobriram que podiam ganhar dinheiro  sangrando  uma árvore chamada pau-brasil, cuja resina avermelhada corre no tronco da árvore como em nossas veias o sangue. Foi a partir do comércio  dessa resina cor de sangue  que a  terra explorada  ganhou novo nome, sendo então chamada de Brasil pelos seus algozes. Por debaixo do culto fascista e pseudonacionalista ao  verde e amarelo existe ainda a mesma mentalidade criminosa  que sangrou e ainda sangra   nossa Terra-Mãe, mátria  ancestral. Porém,  mesmo na   Brasília usurpada  pelos maus, os ipês  de Pindorama ainda resistem florescendo  , como vivas  bandeiras pintadas pela própria natureza em púrpura, rosa, branco e amarelo . 





- inspirados nas bandeiras Wiphala e Mapuche ( bandeiras da luta dos povos originários da América Latina) , esboçamos/rascunhamos uma bandeira de Pindorama ( a partir das cores do ipê):



- bandeira Wiphala:

- bandeira Mapuche:






segunda-feira, 11 de maio de 2020

o fio de ariadne e o labirinto


Na mitologia , o “fio de Ariadne”  era uma linha que ajudava  aqueles que precisavam vencer labirintos, impossibilidades, sem se perder.  “Ariadne” significa, em grego, “aranha”. Pois  é  do ventre de Ariadne que nasce seu  fio libertário e artista.  Ariadne também é o símbolo inesgotável da vida  : ventre absoluto, o fio que sai dela é para fazer linhas de fuga. Alguns bordam quadros com tal fio, outros compõem música; há ainda os que fazem versos com esse fio, enquanto outros  tecem filosofias. O fio se desprende de um novelo. “Novelo” significa: “novo elo”. O ventre de Ariadne é a pura potência para gerar novos elos . Ao contrário das linhas retas que nascem e morrem de pontos, o fio de Ariadne, fio do afeto,  nasce de um novelo , como o rio que brota de sua fonte, ou como  o raio de luz  que se desprende do sol.
O poder autoritário pode até tentar cortar o fio, ou com ele fabricar uniformes para tudo vestir homogêneo. Mas enquanto houver  o existir não resignado,   o  fio cortado pode ainda  ser achado e de novo puxado para com ele se bordar  arte e resistência. Quando a gente dá as mãos para defender a  democracia, a pluralidade e a liberdade , nós mesmos  nos tornamos elos de um fio de Ariadne puxado do novelo da vida não conformista.
O fio de Ariadne se opõe ao fio das rígidas e autoritárias Moiras, as divindades que teciam o destino. Embora não fosse de ferro, o fio das Moiras era férreo: ninguém podia escapar do destino que elas traçavam, às vezes parecendo  "camisas de força". O fio de Ariadne, ao contrário, nasce de um novelo inesgotável e serve para se reinventar destinos.






sábado, 9 de maio de 2020

deep...


“Deep web” é o nome de uma parte da web  que não fica visível, como se fosse uma zona sombria , obscura, que atrai práticas e pessoas que também têm intenções  sombrias . Existe uma “deep web” ligada ao bolsonarismo. Essa zona sombria reúne bozopatas, fascistas, nazistas, racistas, fundamentalistas, olavistas, anti-iluministas, gente que tem ódio da ciência e da filosofia, misóginos,  “capitães do mato”, milenaristas ( gente da extrema-direita religiosa armada com as bandeiras de Israel e EUA), terraplanistas, gente da polícia, do judiciário ( juízes comprados  e promotores cúmplices), do empresariado ( herdeiros da mentalidade casagrandista),  do mercado financeiro vampiresco ,  da mídia conservadora golpista  e, claro, gente da milícia. Essa “deep web” bolsonarista, inclusive, tem um braço armado: a “milícia digital” com seus “robôs”  propagadores  de fake news e “haters” que estão fazendo seu trabalho sujo contra a quarentena   . O bozo e seus filhos são  a parte visível dessa mentalidade que mistura psicopatia, golpismo, fanatismo religioso e militarismo.  Cada vez mais, a voz do bozo é a voz dessa parte sombria que se esconde nos submundos da tecnologia. A ku kux klan se escondia atrás de um capuz. Hoje o capuz  do terror é digital , mas obedece à mesma lógica de criar uma sociedade paralela de loucos  que quer subir de seu esgoto para tentar destruir a horizontalidade  da sociedade aberta.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

a & a


VENCEDOR
(Augusto dos Anjos)

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração - estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!






segunda-feira, 4 de maio de 2020

aldir blanc & elis


"O Brazil não conhece o Brasil
  O Brazil tá matando o Brasil
  Do Brasil, SOS ao Brasil
  Do Brasil, SOS ao Brasil"








“Mas ovelha negra me desgarrei, o meu pastor não sabe que eu sei
  da arma oculta na sua mão” ( trecho de "Agnes sei", obra-prima de Aldir Blanc & João Bosco)






4 de maio

Meu caro 4 de maio,
já posso te chamar de amigo?
Creio que já o somos,
 e não desde agora.
Não demora chega  o dia 5,
sei que você já precisa ir embora.
Agradeço-lhe como me acordou hoje:
com a mesma novidade de quando nasci,
apesar de já serem muitos os dias de aniversário.
Amo  rever-te,
saiba disso, amigo raro.
Espero te ver de novo,
no próximo ano,
logo ao abrir de maio.
Desejo ainda muito te receber,
sei lá ainda por quantos encontros.
Não te peço nada,
nem te faço promessa.
Nunca olho para suas mãos quando chega,
nelas não indago por presentes .
O que gosto é de apertar a mão da gente,
e mais uma linha na palma escrever, sem pressa.
Sou muito grato pelo seu retorno ,
que seja sempre assim o seu chegar: novo. 
Contigo aprendo a perdoar  o que passou,
reabrindo  no peito o horizonte  que sou.
Já reparou: tudo se enfeita de azul para te ver chegar,
 e mesmo o sol egocêntrico esquece seus dezembros,
para em plácida luz nos aquecer  e renovar.

Meu amigo 4 de maio,
sei que te escondes nessa data,
qual máscara a cobrir teu verdadeiro rosto, o tempo.
Não cobro teu retorno,
tudo farei para merecê-lo,
seja qual for minha idade.
Leve minha eterna gratidão a teu pai,
cujo nome é eternidade.






DE PÉ

Quando na manhã  me levanto,
pelos meus olhos acorda outro            
diferente daquele que ontem se foi  deitar.
Fui dormir árvore,
desperto broto,
de novo a vida a germinar.

Levanto-me como se levanta Espinosa
em cada página de sua obra:
sem lamentar o que foi,
sem temer o que será,
bem-dizendo o que é.
Feito a vida em seu  esforço,
pronta a começar de novo, 
pondo-se de pé.