Espinosa não considera o ódio, a tristeza, a inveja, o ciúme, enfim, as paixões tristes como “vícios” da natureza humana, mas como propriedades dessa mesma natureza humana , assim como as tempestades e relâmpagos são propriedades do céu, e não vícios dele.
As paixões tristes são como que tempestades , trovões, nuvens cinzas; já as paixões alegres como o amor, a amizade e a alegria, também propriedades da natureza humana, são brisas reconfortantes, raios de sol, arco-íris multicor. As paixões, tanto as alegres quanto as tristes, são propriedades da natureza humana que a explicam enquanto parte da Natureza.
Em Aristóteles, os “vícios” são por excesso ou
por falta, sendo a virtude o “justo meio” entre o excesso e a falta: entre a
falta dela mesma e excesso dela mesma. Por exemplo, a covardia é o vício da
falta da virtude da coragem, enquanto que o excesso da virtude da coragem é o
vício da temeridade.
Para Espinosa, é um absurdo supor que a virtude pode faltar a si mesma ou exceder a si mesma . Exceder não é potencializar a si mesma, mas
um negar-se contraditório, no qual o
negado e aquele que nega seriam o mesmo. Por outro lado, se a virtude faltar a si mesma, ela
simplesmente não pode existir e agir, na medida em que existir é agir.
Se a temeridade, como pensa Aristóteles, é um
excesso de coragem, a temeridade seria então a coragem estabelecendo para si
mesma um limite para depois negar esse limite , excedendo-o. Mas tudo aquilo
que é potente não se nega: afirma-se. E esse afirmar-se não é um justo meio,
mas a virtude apreendida pelo meio, em seu coração actuante : assim como em
relação ao corpo, ninguém sabe tudo o que uma virtude, enquanto potência, pode.
As paixões
tristes não são vícios que nada explicam da natureza humana, as paixões tristes
são propriedades que explicam por qual
razão a natureza humana padece e não conquista tudo o que pode, afirmando toda
a sua potência.
A ideia de vício
cria noções confusas acerca da natureza humana, ensejando discursos que a
satirizam e zombam, ou então a condenam em nome de um ideal de comportamento que se aplicaria apenas a santos , e não a
seres humanos.
Enfim, a ideia
de “vício” não nos faz compreender adequadamente
o que são as paixões tristes, e explicam muito menos ainda o que são as paixões alegres . Além disso,
essa ideia de vício está sempre na boca e é instrumentalizada por aqueles que
têm o pior dos vícios: o vício de , por
razões fundamentalistas, em tudo ver demônios e , por esse motivo, pregarem mortificações ao corpo.
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