sexta-feira, 27 de junho de 2008




Como se fosse uma cortina,
abri o dia:
era junho,
chovia,
e as horas partiam em bando
para além daqui.

Vi a sombra de um anjo no chão,
apenas a sombra,
como se contra ele estivesse o sol.

Só entendemos o passado
quando ele passa...
E estranha trapaça:
embora fantasma,
ainda nos aquece o seu lençol.

quarta-feira, 25 de junho de 2008



DOS AFETOS


O amor de Pigmaleão dera vida à estátua;
o medo dos homens faz os fantasmas baterem à porta;
a inocência da criança torna a bola do tamanho da terra azul.

A alegria de Espinosa punha Deus em todas as coisas;
a desconfiança de Descartes supunha o fel no beijo das moças;
a modéstia de Epicuro era cega para a coroa que lhe ia sobre a cabeça.

A confiança da rosa, quando se abre, torna amiga a natureza inteira;
a generosidade da mangueira dobra até mesmo a mais avara terra;
a fragilidade da orquídea faz divina a sua feminina beleza.




sábado, 21 de junho de 2008




As maiores verdades não são ditas
em palavras:
a cor, não a forma,
diz pela manhã a saúde da hora.


O tempo não é um velho,
mas uma criança:
dentre os seus vários brinquedos,
o sempre novo é a esperança.

Sabe-o quem com generosidade observa:
a parte da casa onde os deuses moram
não é a sala,
mas a janela.

Ao estender a mão para ajudar,
mantenha-a aberta para o cumprimento:
quando aquele que sofre a pegar,
puxe até pô-lo de pé diante do sofrimento.




quarta-feira, 11 de junho de 2008



O GATO E O ECLIPSE


Somente o gato,
misterioso que é ,
compreende o eclipse
e sob ele constitui sua fé:

enquanto os homens vêem no eclipse a lua ocultada,
no mesmo eclipse o gato vê a terra revelada:
naquela tela branca , em meio ao breu,
ele também encontra sua morada.


Livre, vagabundo, marginal ,artista...
acompanha o gato apenas sua própria sombra esguia:
esgueirando-se, malabarista, pula o gato da terra à lua,
e para todo o universo , seu único dono, ele mia.