domingo, 17 de março de 2013

Manoel de Barros: o "pote"








A desgrandeza é de Deus.

Manoel de Barros
 

No poema Aventura,  o personagem  é um pote que Manoel de Barros  encontra abandonado encostado à natureza. Jogado ali de   barriga vazia para cima, o pote continha apenas , naquele estado de abandono, a presença da ausência do que outrora  o fazia repleto, cheio, desejável;e que o tornava  parte da mesa matinal de quem se alimentara do conteúdo que o pote entesourava. Findo este conteúdo , ficou vazio o pote: sem poder guardar a si mesmo, sem ter outra coisa a ofertar senão o vazio , o pote fora rejeitado, esquecido, abandonado pelos homens e suas utilidades, de tal maneira que apenas a natureza o quis. O pote já não  servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao encostar nela, sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", diz o poeta. 
Houve um intervalo de tempo entre o primeiro encontro do poeta com o pote  e um outro encontro que veio a seguir. Neste intervalo , um passarinho passou voando atoamente  sobre o pote e cuspiu uma semente em seu  ventre vazio. Ali já havia areia e cisco trazidos pelo vento. Houve então um rascunho de coisa nova, um  encantamento , um poema: no ventre do pote milagrou  uma vida, nasceu um pé de rosas que ali desabrochou. "As chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir".E onde antes crescia o vazio, agora crescia o amor: "se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós". E repleto ficou o pote da beleza que se oferta  sem nada pedir em troca.