sábado, 30 de abril de 2022

os vampiros...

 

Dia desses li a notícia de que  o governo norte-americano comemorava um acordo de  redução das bombas atômicas existentes no mundo. Antes do tal acordo, as bombas atômicas tinham capacidade para destruir a terra 12 vezes!!!! Agora, após o acordo, o poder de destruição das bombas  “caiu” : elas agora podem destruir o planeta “apenas”  5 vezes!!!

E o governo norte-americano comemorava alegremente isso como prova de que são civilizados... Isso me lembrou Espinosa, que dizia existir uma estranha alegria :a alegria dos delirantes se imaginando sensatos.

No mesmo jornal , na seção de economia, havia outra notícia envolvendo essa  mesma mentalidade  insana :  a quantidade de capital especulativo circulando pelo planeta é cinco vezes maior do que a riqueza real que existe na terra.

Capital não é riqueza. Riqueza é terra, trabalho, criatividade, floresta, tempo, enfim, vida. Riqueza também não é o número estampado na nota ou na moeda, riqueza é o níquel de que é feita a moeda e a árvore sem a qual não há  papel-moeda:  riqueza é o minério e a árvore como potência e bem comum da terra, da qual ninguém é o proprietário ou dono.

Aplica-se  aqui aquela  imagem : a riqueza é  sangue, ao passo que o capital especulativo financeiro se assemelha mais a um vampiro. Esses vampiros  sobrevoam a terra como aves de rapina  de olho nas florestas, nos rios, nos minerais...e também em nosso tempo, em nosso desejo, em nosso corpo, enfim, em nossa vida e sangue.

Enquanto as bombas podem destruir  a terra 5 vezes, o capital predatório é vampiro que quer sugar nosso sangue cinco vezes mais do que todo o sangue que circula em nosso corpo. 

Essas  notícias   também me lembraram aquela crônica de Clarice Lispector na qual ela narra a morte de um procurado pela polícia “abatido” , diria o miliciano-fascista,  por vários tiros disparados pelas forças repressivas: “ a primeira bala já o acertou e matou. A segunda bala foi por vingança, a terceira por preconceito, a quarta por ódio aos pobres, a quinta por pura barbárie mesmo ...e a última bala me acertou”.

Para lutar contra os vampiros,  somente com sangue nas veias , ideias na mente e ação coletiva.




sexta-feira, 29 de abril de 2022

pão e poesia

 

Uma das palavras mais bonitas da filosofia grega  é “eudaimonia”. No coração dessa palavra está o nome “Daimon”, pois “eudaimonia” é : “estar na companhia de um bom Daimon”. 

Em português,  “eudaimonia” significa  “felicidade”. Para os gregos, felicidade não é andar sozinho, mesmo que seja numa carruagem de ouro; felicidade é andar na companhia de um “bom Daimon”, agenciado.

Na mitologia, o Daimon não mora no inacessível e aristocrático Olimpo, o Daimon mora onde houver a necessidade de uma travessia, pois ele é a divindade dos caminhos, sobretudo    dos caminhos que urgem ser criados quando precisamos atravessar  desertos  ,  escapar de labirintos ou transpassar  rochedos.  

 Para os gregos, a felicidade não é propriedade egoica de um indivíduo, a felicidade é   agenciamento coletivo: impossível o indivíduo ser feliz se a pólis está triste, tampouco pode o indivíduo ter saúde com a pólis  doente.

Mas o Daimon só nos faz companhia se aprendermos a ser companhia. Nietzsche diz que certa vez um Daimon soprou esta lição em seu ouvido: “Odeio tanto seguir como ser seguido: para me acompanhar aonde vou, é preciso aprender a amar andar ao lado”.

“Companhia” vem de “com-panis”. E “panis” é, em português, “pão”. Assim, fazer companhia é  saber “dividir o pão”. Companheiros: “aqueles que dividem o pão”.

Há o pão que alimenta o corpo, como aquele que faltou ao povo e trouxe o sofrimento  da fome. A elitista Maria Antonieta, zombando, disse: “Não têm pão? Que comam brioches!”

Quando um povo não aceita  ser rebanho de Marias Antonietas de ontem e de hoje,  nasce nele    a fome por outro pão: o pão da dignidade e da justiça, pão que  tem o fermento da arte, da educação e da poesia,   pão que alimenta a luta contra as tiranias.

No livro “1984”, George Orwell diz que  uma das táticas do poder tirano é apagar certas palavras, para assim tentar apagar também da realidade seu sentido e prática.

Parece estar acontecendo isso com a palavra “trabalhador”, que o poder do Capital tenta apagar colocando no lugar “colaborador” ,isto é,  colaborador do Capital   ou “empreendedor”.

Com isso,  propaga-se  a ideologia de que o outro não é um companheiro, mas um “competidor”.

Nesta semana  em que se comemora o “Dia do Trabalhador”, o filme “Pão e Rosas”, de Ken Loach, é uma boa dica para inspirar nossas necessárias e urgentes lutas pelos dois pães, pois  o  título do filme também poderia ser : “Pão e Arte”, “Pão e Educação”, “Pão e Poesia”.  







quinta-feira, 28 de abril de 2022

as verdadeiras Graças

 

Recentemente ,  vimos o fascista empregar o termo “graça” no favor que ele fez a um de seus cúmplices. Na verdade, o ocorrido nada tem a ver com a ideia original de graça.

Na mitologia, as Graças eram três irmãs que nunca se separavam. Delas vêm “gratidão” e “gratuito”. As outras divindades se tornavam ainda mais potentes e generosas quando buscavam a companhia das Graças.

Quando Atena, a deusa da sabedoria , andava na companhia das Graças, o conhecimento que vinha dela não apenas instruía  teoricamente , mas deixava também  quem aprendia  em graça, aumentando a potência da vida digna.

Eros igualmente buscava a companhia das Graças quando queria que o amor que ele dava também fosse  um estado de graça: afeto que se dá e recebe , sem cobranças.

E quando os deuses queriam saber quais entre os seres humanos eram gratos, eles ofereciam seus dons junto com as Graças, e assim sabiam quem, aos recebê-los, ficava agradecido . Pois quem é agradecido é confiável.

As Graças não são exatamente a alegria ou a felicidade, pois elas vêm antes desses estados, e muitas vezes são as Graças que nos amparam nos momentos de tristeza e infelicidade.

As Graças são o contrário das Moiras, que também eram três irmãs. Enquanto as Moiras querem nos impor um Destino férreo que se paga com o preço da morte, as Graças ofertam mais  vida de graça, mesmo quando nos julgavam vencidos e mortos.

E por esse sopro de vida a mais as Graças nada cobram, apenas esperam  que  nos tornemos gratos. Pois daquilo que se recebe de graça ninguém é o dono ou proprietário: o que se recebe das Graças é para ser partilhado.

O ato do fascista nada tem a ver com graça. Nunca a graça pode vir de um ser que é uma desgraça para a vida democrática.

As Graças  jamais  se deixam usar por aqueles que  fazem  ameaças autoritárias ; pois as Graças são potências libertárias que fortalecem  em coragem, dignidade e generosidade  aqueles   que , agindo, as põem em prática.


“O covarde só ameaça quando  está em segurança.” ( Goethe)

 

quarta-feira, 27 de abril de 2022

o albatroz

 

No poema “O albatroz”, o poeta Baudelaire nos explica o  motivo de o albatroz ser o pássaro de maiores asas: é porque ele aceita o desafio do oceano. “Venha voar sobre mim se tiver coragem!”, assim é o desafio do oceano infinito .

A maioria dos pássaros voa apenas de ilha em ilha, perto do litoral conhecido, muito longe não se aventurando. Mas o albatroz criou imensas asas porque ele ouviu e aceitou o desafio .  Quem voa sobre  oceanos se desterritorializa e corre riscos,  nunca sabendo se vai achar onde pousar. Voar assim só voa quem confia em suas asas.

 O albatroz é capaz de ficar uma semana voando sem parar ! Quando tem sede , ele atravessa  as nuvens e bebe a água diretamente sob a forma de gotículas, antes de elas caírem como chuva e se tornarem o próprio oceano .

O albatroz também inventou outra arte em sua travessia: enquanto voa, metade de seu cérebro dorme, fechando um dos olhos,  enquanto a outra metade fica de vigília , mantendo o outro olho aberto . Um olho sonha, o outro ao horizonte mira.

Porém se engana quem pensa que é apenas  o olho aberto que guia o albatroz: pois quando nuvens negras barram sua visão, é com o olho que sonha que o albatroz avança em sua linha de fuga descobridora  de caminhos.

Às vezes, no meio do oceano   o albatroz vê abaixo de si um navio, ele então desce e pousa no convés para descansar um pouco. O albatroz tenta fechar e guardar suas asas, porém  elas são maiores do que ele: hábeis para voos no céu, elas atrapalham o andar no  chão rasteiro. Resultado: no convés  o albatroz anda desajeitado, o que faz a marujada rir zombeteiramente.

Quando enfim descansa, o albatroz novamente abre as asas e faz do vento uma escada para subir até ao altar azul onde novamente será coroado Príncipe dos Ares.

 Vendo o albatroz se elevar, a marujada cala o riso e algo neles se eleva também. Mas o capitão do navio , destilando ódio  ,  xinga coisas que traduzidas para o  mundo de hoje seriam mais ou menos assim  : “esse pássaro maldito deve ser comunista ou anarquista! Veio aqui perturbar a Ordem e o Progresso dos homens de bem!”, grita o capitão cuja bandeira tremulava com uma sinistra caveira da morte pintada. 

Tentando  se vingar do albatroz , o capitão-paranoico  atira   flechas e balas de canhão contra o pássaro-libertário. Porém  o albatroz voa tão alto e potentemente, que não o alcançam flechas, canhões e nem as opiniões de ódio  dos que veem nos seres livres uma ameaça  .

E quando vê a tempestade adiante , o albatroz não teme ou recua: ele a atravessa pelo meio e segue em frente.

  

 

(imagem: “Albatroz”/ obra de Graça Craidy, a quem agradeço o gentil presente. Acrescentei o verso do Manoel)







segunda-feira, 25 de abril de 2022

ao meu avô português

 

Ainda jovem , meu avô precisou  fugir de Portugal porque se recusou a fazer parte do exército fascista de Salazar , o ditador português.

Chegando aqui, meu avô se apaixonou pela descendente  de um guerreiro  indígena, e com ela   se casou. Sua resistência à tirania e luta pela liberdade teve por recompensa conhecer aqui o amor, sem o qual eu, seu neto, aqui não estaria.

Infelizmente, não conheci esse meu avô pessoalmente. Mas sempre penso nele em todo 25 de abril  como se fosse o dia do seu aniversário, pois hoje se comemora a Revolução dos Cravos, dia em que o povo português venceu e se libertou da ditadura salazarista.








domingo, 24 de abril de 2022

os achadouros do poeta

 

No poema “Achadouros” ,  Manoel de Barros nos fala de uma  sábia  contadora de histórias que ele conheceu quando criança. A sábia  ensinava  haver  “achadouros”  em Corumbá.

No sentido literal,  os “achadouros” eram buracos  que os holandeses cavaram antes de fugirem do Brasil séculos atrás.

Com o  ouro surrupiado do rico subsolo de  nossa ancestral Pindorama,  os holandeses fabricaram  moedas nas quais estamparam a coroa holandesa. Depois eles  esconderam essas moedas de ouro nos tais  buracos abertos no fundo de  quintais, para que não ficassem com elas os  colonizadores da coroa portuguesa, seus rivais.

Durante muito tempo em Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros , os homens  escavaram  quintais para ver se ali achavam o ouro rapinado pelos colonizadores.

Mas o poeta compreendeu que a sábia falava também de outros “achadouros”, enquanto espaços a descobrir que guardavam diferentes tesouros.

Seguindo a lição da sábia, o poeta aprendeu a descobrir    “achadouros”  onde estão guardadas riquezas    que não vêm da usurpação  do homem sobre o outro, riquezas  que são , para a vida digna, verdadeiramente  preciosas  : escavando a palavra, o poeta  acha nela sentidos novos não colonizados ; escavando  em si mesmo , o poeta  acha horizontamentos libertários que partilha com os outros.  

Com sua arte que faz pensar, sentir e desperta,  o poeta   “desabre” nossos habituais olhos que o leem  para que em nós achemos, quem sabe,    olhares novos .

E toda essa riqueza   que o poeta acha e generosamente  partilha conosco,   vem da potência transbordante de vida  que, empoemando-o,  guardou-se  dentro do poeta  como tesouro  , cujo valor não se mede em moeda, capital ou ouro.

 

 

“O que desabre o ser é ver e ver-se.”(Manoel de Barros)


“O homem, em última análise, somente acha nas coisas aquilo que ele mesmo nelas pôs. O ato de achar se intitula ciência; o ato de pôr se chama arte.” (Nietzsche)


“A poesia está na guardada nas palavras, é tudo o que sei.”(Manoel de Barros)


“Filosofar não é redizer o já dito, mas produzir olhos novos.”(Merleau-Ponty)




sexta-feira, 22 de abril de 2022

sobre a "liberdade de expressão"

 

A liberdade de expressão e opinião é um dos pilares da democracia. Na Grécia democrática, por exemplo, essa prática acontecia na ágora, o coração da pólis.

“Ágora” vem de “agon” , que significa “conflito” ou “disputa” . A ágora era a praça pública.  Na ágora não aconteciam disputas armadas, pois na ágora a disputa era realizada mediante palavras  que expressassem perspectivas, razões, argumentos -  sempre visando o bem comum da pólis.

A palavra “pólis” significa “cidade” ou “organização”. Esse  sentido   está presente em “própolis”:  “ a favor da pólis”, pois a colmeia é uma pólis, uma organização. Na ágora, a palavra democrática era a própolis para fortalecer a pólis e sua pluralidade de perspectivas. “Política” vem de “pólis”.

Em latim, “pólis” será traduzida por “civitas”,  “civilização”. Assim, o centro da pólis-civilização não é o templo ou o quartel, tampouco o mercado e sua avidez por juros e lucros. O centro da pólis-civilização é a praça, um espaço aberto e plural, sem dono ou proprietário .

As praças são espaços abertos às ruas democráticas que conectam o centro à periferia , onde gritam por dignidade  os excluídos e excluídas, muitos já quase sem comida em casa.

Muito diferentes são as ruas  suspeitas  que partem  de condomínios fechados onde se escondem carrascos que enriqueceram com o crime  . Foi de uma rua sinistra assim   que partiram os assassinos milicianos de Marielle. Hoje, um vizinho e amigo  desses  milicianos indultou um cúmplice seu  que, simbolicamente,  também assassinou Marielle quebrando a placa de rua com o nome dela.

A liberdade de opinião e expressão é um direito garantido pela Constituição. Mas esse direito é apenas uma forma . E uma expressão nunca é apenas uma forma, pois “expressão” vem de  “ex-pressio”: “trazer para fora” o que cada um tem dentro.

A expressão opinativa é prática discursiva que põe um conteúdo numa forma. Se o que alguém cultua dentro de si  é apenas  ódio, ignorância, idiotia, enfim, incivilidade, são esses conteúdos que serão trazidos para fora de sua obscura alma  .

 O discurso teológico-político expressa essa mentalidade de trevas. E quem tem mentalidade assim não consegue esconder: basta abrir a boca que a incivilidade se revela.

Quando esses conteúdos obscurantistas se convertem em ameaças à vida plural e democrática , já não se trata mais de opinião, religião ou pátria,  e sim de crime . Um crime mais grave  e perigoso  do que os cometidos contra  a propriedade,  que são os crimes que  levam à cadeia os pobres.

Devemos ter cuidado, sempre, com esses seres das trevas . Mas nunca temê-los. Pois , como diz Espinosa, uma das maneiras que todo projeto de  tirano tem de parecer mais  forte é tentando nos provocar tristeza e medo que nos imobilizem e calem.

Plotino, Manoel e a "Origem que renova"

 

Para Plotino, não existe “Ideia Universal”. Toda ideia que nos permite pensar e conhecer algo real é sempre uma ideia original. E toda ideia original é sempre singular.

Tudo o que existe  é fruto de uma ideia original do qual proveio. Mas a ideia original não é um “Modelo” do qual seu fruto seria uma “cópia”. A ideia original é como um novelo do qual se desdobrou um fio , ou como uma fonte da qual nasceu um rio.

Nós somos dois seres: o fio de novelo e o novelo, o rio e a fonte. Somos um eu desdobrado existindo no  aqui e agora que passa  , porém também  somos mais originalmente um eu-novelo, um eu-fonte, virtualmente  existindo num plano absoluto que nunca se esvai ou passa.

Para o eu-desdobrado vencer a angústia de esvair-se para o nada, é preciso que ele   intensifique  seu existir até redescobrir na presença o fio mediante o qual ele , subindo, seja na sua maior parte o eu-original que nunca morre, parte que é do Inconsciente Cósmico.

Esse eu-original nada tem a ver com um ego. Pois mesmo o eu-original também é fio ou rio, ele também se desdobrou de algo ainda mais original que ele: o Uno-Novelo, o Uno-Fonte. E não apenas o eu-original se desdobrou do Uno-Fonte, também se desdobraram  e se desdobram do Uno-Fonte  todos e tudo.

Assim como o rio seca se perder sua ligação com a fonte, o eu desdobrado não permaneceria existindo se fosse cortado o fio que o liga ao eu-novelo. Mas esse fio é inconsciente, pois é parte dele também o corpo.

“Original” é tudo aquilo que é origem. Mesmo que o rio vá muito longe da fonte, ele permanece ligado à fonte-origem . Se o rio perder essa relação umbilical com a fonte, o rio não avança. Todo avançar somente é realmente avançar, e não um mero perder-se, quando o avançar é desdobramento potente da origem, da “Origem que renova”, como ensina o poeta Manoel de Barros.

E quando os peixes que nasceram no rio querem de novo gerar, eles sobem as águas do rio para partejarem novidade perto da fonte.

E para quem deseja ir longe sem se perder, é preciso segurar firme na mão o fio que se desdobrou do novelo da liberdade, tal como o Fio de Ariadne.






 

 

quinta-feira, 21 de abril de 2022

a semente

 

Amigas & amigos, infelizmente este texto que escrevi ainda está circulando pela web como se fosse do poeta Manoel de Barros. Em parte, esse  equívoco se espalhou  porque a cantora Leila Pinheiro gravou um vídeo lendo o texto como se ele fosse de Manoel. Mas ela não fez por mal, ela  recebeu o texto de alguém já com a atribuição equivocada de autoria. A Leila  já  me pediu desculpas e excluiu o vídeo. Porém, muita gente compartilhou da página dela antes da exclusão, e por isso ainda perdura essa lamentável confusão. Quase todo dia alguém me avisa que recebeu o tal vídeo. Então, mais uma vez venho aqui esclarecer que o texto foi escrito por mim. O  verso de Manoel é citado por mim apenas como epígrafe.

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                                            A SEMENTE


Certa vez, quando eu passava por um momento muito difícil , sonhei que seria operado do coração. Angustiado, eu pensava que não sobreviveria à operação. Não sei como fui parar ali, por quais caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma operação e eu era o paciente a ser operado.

De repente, adentra a sala de cirurgia o cirurgião. Ao vê-lo, meu medo desaparece, cheguei até a sorrir...Pois o médico que me operaria era nada mais nada menos do que o poeta Fernando Pessoa!

No princípio, achei estranho . Mas depois entendi que fazia sentido ser um poeta o cirurgião de um coração angustiado.

Sem demora, o cirurgião-poeta abriu meu peito, mas não com bisturi : não sangrou , nem houve dor. Ele enfiou uma das mãos, porém não foi suficiente. Somente as duas mãos do poeta conseguiram tirar meu coração do peito .

"Seu coração  está pesado como um paralelepípedo! Preciso extrair o que lhe pesa”, diagnosticou o cirurgião-poeta. “O que lhe pesa não é coisa física, o que lhe pesa é a mágoa com o passado, a decepção com o presente , o medo do futuro e a descrença nos homens”, disse-me ele enquanto extraía tudo isso.

Quando olhei para a mão do poeta , meu coração estava minúsculo, parecendo uma semente salva de um fruto que perecia. Indaguei : “poeta, com esse coração pequenino como vou sobreviver!?”

O cirurgião-poeta então respondeu, terminando sua arte, sua “clínica”: “Ele está assim pequeno porque  deixei apenas o coração da criança.”

Após ouvir isso despertei, e não apenas daquele sonho. Ainda deitado, olhei para a janela: já amanhecia . Queria registrar o sonho e me virei para procurar  caneta e papel. Então, algo que estava sobre meu peito caiu ao meu lado na cama, era um livro que adormeci lendo: “O Eu Profundo e os outros Eus”, de Fernando Pessoa.

 

 

"As terapias verbais me terapeutam." (Manoel de Barros)




 






quarta-feira, 20 de abril de 2022

os sem teto

 

Cristo também foi um prisioneiro político. Os poderosos de então diziam ser Cristo um “subversivo” . Esses poderosos compraram com dinheiro um dissimulado para ser o traidor e acusador de Cristo.

Depois o exército e a polícia da época colocaram   em marcha a vingança ressentida dos poderosos: Cristo foi então  preso e torturado, e os torturadores torturavam Cristo zombando e rindo.

Alguns militares-torturadores de Cristo zombavam de sua dor imitando seus gemidos, tal como recentemente um fã de torturadores imitou, zombando ,  o sofrimento daqueles que a pandemia matou.

Antes de ser julgado, Cristo já estava condenado, pois o ódio sempre condena antecipadamente o amor quando vai julgá-lo.

Porém , as ações de Cristo continuam vivas naqueles a quem os poderosos chamam de “subversivos”, ontem e hoje.

Também continuam a fazer suas ameaças os torturadores de Cristo, hoje travestidos com outros uniformes , porém ainda cultuadores do dinheiro mefistofélico que quer comprar almas e votos.

Esses cultuadores da tortura são tão cínicos,   que muitos deles hoje se escondem atrás até mesmo do nome de Cristo. Porém,   nas mãos deles imitando arma apontada contra nós, como digitais dos crimes cometidos ao longo da história, está não apenas o sangue derramado de Cristo, pois também estão nas mãos deles o sangue de Zumbi, dos indígenas, dos pobres estigmatizados  nas favelas, das mulheres vítimas do machismo, bem como o sangue dos assassinados  pela milícia , como Marielle .

Os torturadores estão sempre ameaçando sangrar os corpos, inclusive o corpo da democracia. Mas o símbolo da Vida é o sangue correndo nas veias, incluindo as  veias da vida  social e coletiva. São expressões desse sangue vivo  correndo nas veias  : a luta  pela justiça, pelo conhecimento, pela solidariedade e pela empatia, sempre com coragem e sem medo, unindo forças.

 

( imagens : “Cristo sem teto”, obra do escultor Timothy Schmalz; a outra imagem é a do padre Júlio Lancelloti , que foi parado pela polícia durante evento que o padre fazia na Semana Santa para auxiliar  os moradores de rua e sem teto)








 

 

terça-feira, 19 de abril de 2022

19 de abril: Dia de Luta dos povos indígenas

 

A palavra “mitologia” tem dois sentidos: 1- conjunto dos mitos produzidos por um povo ( e não apenas pelo povo grego); 2- estudo dos mitos. Infelizmente, nenhum desses dois sentidos traduz a experiência originária dos povos que viveram e criaram os mitos, pois são sentidos  teóricos nascidos bem depois daquela experiência concreta e originária.

Devido ao desconhecimento dessa experiência originária com o sentido da vida e da existência  , muitos hoje desdenham da mitologia, e consideram que é mais “útil” ensinar aos jovens “cartilhas” e “tabuadas”  que adestrem para aquilo que o mercado exige.

Assim, “mitologia” ou “mito” não são  bons  nomes para designar a experiência originária que vários povos fizeram, e fazem, para darem sentido à existência pessoal e coletiva. Em vez de “mitologia” ou “mito”, prefiro empregar o termo “empoemamento originário”.

É Manoel de Barros quem ensina que poesia não é só escrever rimas e versos, pois poesia é, antes de tudo, experiência de empoemamento.

Empoemar-se não é apenas ler versos, empoemar-se tampouco é somente contemplar o que é “belo”.

“Poesia” vem de um verbo grego que significa “produção”. Assim, empoemar-se é produzir a si mesmo agenciado com o outro, com o mundo, com o cosmos. Empoemar-se é o contrário do anular-se .

Empoemar é um verbo que se conjuga em todos os tempos, em plurais modos e em todas as pessoas do singular e do plural. Empoemar-se também é ação clínica, política , ética e pedagógica.

Sob essa perspectiva , a experiência originária que gerou os mitos não está apenas no passado . O sentido de se ler os mitos hoje  é para fazer reviver em nós, aqui e agora, aquela experiência. Não para que repitamos o que Homero e Hesíodo disseram, mas para que possamos (re)aprender a produzir sentidos que repotencializem  a vida com força regeneradora e criativa.

Não apenas os gregos fizeram essa experiência com a poesia originária, nossos povos indígenas  também o fizeram e perseverantemente ainda o fazem para se manterem vivos. Segundo Krenak, o poeta da tribo tem o seguinte nome: “pessoa coletiva”. O poeta da tribo trava batalhas diferentes daquelas que os guerreiros travam; ele exerce um tipo de poder mais poderoso do que o do cacique;  e promove curas ainda mais necessárias à vida da tribo do que as curas do pajé.

Com suas narrativas  originárias, o poeta da tribo empoema a coletividade e evoca a força dos ancestrais para que as florestas de Pindorama  resistam de pé plenas de vida . Com sua palavra geradora , o poeta da tribo  age para  adiar o fim do mundo...

Até fascistas às vezes são chamados de “mito”... Porém é sempre libertária  a experiência originária que empoema a existência e a fortalece frente a tudo aquilo que , ontem e hoje, a põe sob risco.

 

“A literatura é o esforço para interpretar engenhosamente os mitos

 que não mais se compreende, por não sabermos mais sonhá-los ou produzi-los.”(Deleuze)

 




“Tenho em mim um sentimento de aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a conhecer melhor os índios.” (Manoel de Barros)



Esta música do vídeo é cantada nos ritos de iniciação dos jovens Kayapós à vida em comunidade. A letra lembra aos jovens que os Ancestrais também sãos os rios, as árvores, enfim, a terra que dá alimento e proteção; e que não há futuro digno sem  manter viva a memória coletiva  dos  Ancestrais:




o borbulhar de plotino

 

Tal como Platão, Plotino também fala em “formas”. Plotino ensina que  o princípio íntimo das coisas é sempre uma forma. Mas não uma forma-contorno, uma forma exterior, e sim uma forma íntima, tal como a forma espiralada do código genético que in-forma um ser vivo.

Plotino se vale de uma imagem para explicar o que ele entende por forma. Quando sopramos com um canudo a água com sabão , dessa água borbulham formas que brotam  ligadas umas às outras. A forma em Plotino, tal como as formas que nascem do sopro, são formas dinâmicas, borbulhantes, que florescem em  buquê.

Plotino ensina que há um Sopro Cósmico. Em latim, “sopro” é “spiritus”. Esse sopro cósmico sopra por dentro da matéria para que nela brotem variadas e heterogêneas   formas. Assim nascem  os sóis, as estrelas, os mares, as plantas, os seres vivos e o homem, como um buquê multivariado de um mesmo sopro-semente cósmico.

Todas essas realidades são o borbulhar de um sopro cósmico que as anima com vida, intimamente. Somos formas de um mesmo sopro que nos mantêm unidos, imanentemente .

A palavra que ensina é sempre expressão desse sopro que dá forma a tudo o que existe. Nas palavras , é o sopro do sentido que faz da palavra mais do que som. Toda palavra que ensina é um borbulhar ou florescer de uma forma plena de vida.

Palavras assim sempre trazem  o ar que nos ajuda respirar existencialmente para que a vida em nós não sufoque.


“Poesia é um aflorar de falas.”(Manoel de Barros)




segunda-feira, 18 de abril de 2022

palavra muda e devir-só

 

PARA VENCER A SOZINHEZ

 ( apresentação que escrevi para o livro “Palavra Muda”, do poeta Paulo Vasconcelos)

 

 Segundo o poeta Manoel de Barros, poesia não é apenas verso e rima no papel, poesia é  empoemamento : horizontamento da alma. Cada poeta , quando é um poeta de fato, nos empoema inventando o sentido e o ser do que seja  poesia.

“Palavra é sempre muda”, dizem, “quem fala é a boca”.  Mas Paulo nos ensina que a própria palavra pode ser muda, para assim expressar  o que não consegue dizer a mera boca  que apenas diz palavra.

Paulo inventa um devir-só repleto de esvaziamento de egos. Devir-só não é a mesma coisa que ser sozinho. Esse devir-só é o dizer de  quem expressa , das coisas mais comuns, o seu incomum único.

Paulo data alguns poemas ao modo de   acontecimentos de um diário. São poemas com registro de nascimento , dia e hora, dando a ver que poema é acontecimento unindo  o íntimo lírico ao   social e histórico.

O poeta é um “cristo pagão” que aceita sua solidão acompanhada de deuses, muitos deuses, os do dia e os da noite, sobretudo estes, e ainda mais alguns que carecem de nome, mas não de ser.

Solidão é o dão de quem se dá (“poesia é coisa de dão”, Manoel de Barros). Paulo escreve como quem se esvazia  para que nada resista à poesia que o preenche. Ele se desvencilha do gozo de uma  “sozinhez” narcísica, para assim narrar, não sem dor,  as solidões da singularidade ao mesmo tempo simples e refinada. Em seus versos há perceptos de paisagens sem homens, feitas  de mar , de peixes e desmesuras aquáticas; há montanhas e suas alturas, mas também há o tecido urbano, no qual o humano está à  procura de si mesmo.

Há um fio entre o verso e  nós. O fio não nasce de um ponto, ele nasce de um novelo que Paulo desdobra , esvaziando-se . Não é palavra o que ele nos dá, ele nos dá uma canção que espera o amor voltar para atenuar as dores dessa “difícil vida danada”,  que mesmo assim é celebrada , sem arrependimentos , sem culpa, com boa vodca.

Um “deus” com “d” minúsculo faz-se mais humano que o homem, ele aprende o desejo, a saudade, tem pai mortal e lê cordel. Assim, esse deus      não espera obediência, apenas que o vejamos    incorporando-se “natureza e tempo” , para assim também nos fazer gente, tempo, lua, saudade não nostálgica.

A palavra muda não é a que ausenta a palavra, a palavra muda é a conquista de um silêncio completo: diz tudo sem dizer nada, pois não o diz com o som, o diz apenas com o sentido artesanado.




 



sexta-feira, 15 de abril de 2022

das lagartas...

 

Muito se fala, com razão, das borboletas. São exaltadas sua beleza,  cores e destreza alada. Na Grécia, por exemplo, as asas metamórficas das borboletas eram consideradas símbolos de Eros, o Deus do Amor.

Porém, pouco se fala da lagarta nesse processo. Muitos a tratam como uma roupa velha e carcomida ,  abandonada pela borboleta que voa  colorida. Considero isso uma  injustiça contra essa artista.

Sim, pois a lagarta é uma artista , uma artista que trabalha em silêncio, longe dos holofotes e das vistas, como Espinosa cuidadosamente polindo as lentes que fabricava , até poderem ser lunetas  mirando  as  estrelas infinitas  .

De tudo o que ingere da natureza, a lagarta depura e destila um fio de seda. Com esse fio, sem que ninguém  veja , ela vai bordando dentro de si uma arte, um rascunho de vida futura, como a natureza cheia de vida e cores que Maud Lewis criou com sua pintura, apesar das imensas dificuldades físicas e sociais que sofria.

O fio de seda  é ,para a lagarta, o mesmo que as palavras são para o poeta ou as cores   para todo artista : linha de fuga e liberdade.

Com o fio das cores, Maud Lewis reinventou-se gato, borboleta, flores, paisagens...Vida expressa de forma singular e  variada, simples e complexa. Com arte e cores também se afirma e se luta.

Pois  chega enfim o dia em que a arte fica  pronta, a lagarta não pode mais esconder de ninguém a artista que é por dentro . Confiante , ela parteja a si mesma do casulo-útero que fabricou , vestindo-se  com a arte que agora também é sua pele verdadeira  .

Já não há mais contradição consigo mesma : agora,  ela é por fora como já era por dentro, todo mundo agora vê a borboleta.

E com as asas que bordou com o fio de seda, ensina a reinventar-se, para que assim , quem sabe, a gente também seja.

 

 

“Penso renovar os homens usando borboletas.” (Manoel de Barros)

 

 

 

( imagem: “Gato malhado”, obra de Maud Lewis )



-Filme sobre a vida e obra da artista:



quinta-feira, 14 de abril de 2022

livro: In(com)formação

Tive o prazer de participar desta publicação organizada pelo Marco Schneider. Abaixo da foto colocarei o link para quem quiser saber mais e baixar. Abraços fraternos. 




https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/1222/1/SchneiderMarco_Inconformacao_2022.pdf

quarta-feira, 13 de abril de 2022

perseverança

 

Certa vez, uma aluna  de uma simpática turma  me perguntou: “Professor, qual ideia da filosofia você mais gosta?” Respondi na hora: “Perseverança.” Respondi tão rápido e firme que a turma ficou curiosa para saber mais...rs...

Então, falei  mais ou menos o seguinte:

Quando uma palavra não é apenas palavra para nós, ela sobe rápido e sem hesitação do coração onde vive até  à boca , pois a perseverança não é uma ideia apenas teórica, ela também deve estar na nossa sensibilidade e práticas.

Perseverança não é o mesmo que esperança. A esperança é um esperar que algo aconteça: é um aguardar  que o futuro nos traga aquilo que desejamos, esperamos ou cremos.

O contrário da esperança é o desespero : “des-esperar”= “não mais esperar”. O desespero nasce  da certeza de que não virá aquilo do qual tínhamos  a esperança.

A perseverança não é um esperar , ela é um  manter vivo o que dentro de nós já está e nos faz  avançar , sem espera.

A perseverança é um saber-se já  fecundado pelas ideias que dão sentido, força e resistência  ao nosso existir aqui e agora, para assim construirmos  o amanhã, ao invés de esperá-lo.

Do esperançoso pode nascer um  perseverante, quando o esperançoso  decide com coragem criar , nesta existência de agora, a vida que ele esperava vir de longe .

Como ensina Deleuze, o perseverante nunca é como um profeta que promete  ideias que salvarão os outros ( desde que o obedeçam) ; o perseverante é  como um apóstolo que , falando e agindo, ensina  a ideia que o converteu e libertou.

A perseverança se torna ainda mais potente  quando compartilhada e agenciada, pois uma das características da perseverança é unir aqueles que nunca se desesperam :os perseverantes  sempre lutam até o fim, e por lutarem juntos já se alegram.

Em seu sentido originário,  perseverar significa : “manter-se firme e de pé”.

Ouvi pela primeira vez acerca da perseverança   numa belíssima aula sobre Espinosa ministrada pelo inesquecível professor Cláudio Ulpiano. Para Espinosa, a perseverança  é inseparável do esforço que devemos sempre fazer para que as ideias  que falamos ou ensinamos também estejam  expressas  nas ações que fazemos.

Espinosa  fez da perseverança o afeto fundamental de sua ética   libertária, na qual a  liberdade não é um ideal “individualista-liberal”,  mas uma conquista que só se consegue  com  uma  perseverante prática, ao mesmo tempo singular e plural.  

Perseverar é criar pernas para que nossa liberdade possa avançar: “O andarilho abastece de pernas as distâncias”, ensina o poeta Manoel de Barros.







segunda-feira, 11 de abril de 2022

elogio da filosofia

 

No livro Elogio da filosofia, Merleau-Ponty afirma que o pensar filosófico  não é um redizer o já dito. Os livros de Platão, Nietzsche, Espinosa, Deleuze...estão ditos, escritos. A filosofia é um dito assim: um dito escrito.

Mas pensar não é redizer esse dito, pensar é produzir olhares novos . Não se trata apenas de um olhar teórico , e sim de um olhar heterogêneo que seja também o olhar do corpo vivo. 

Pensar é produzir olhares que sejam também poéticos, metafísicos, políticos , libertários... Olhares assim produzidos sempre veem mais quando são acompanhados pela  abertura de ouvidos, de poros, de sensibilidades...Para que essas aberturas agenciadas, esses “desabrimentos”, abram sobretudo o pensamento e produzam nele uma abertura ao  impensado.

 Pois só com olhares novos podemos ver, sentir  e depois escrever o que ainda não foi dito e escrito.


“A razão vê,

a memória revê.

É preciso transver o mundo.”(Manoel de Barros)

 

“É pelos olhos que a poesia floresce.”(Manoel de Barros)


“É preciso fazer o papel falar.”( Valdelice Veron Kaiowá, pensadora-indígena )