segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

eterno retorno


Em toda  passagem de ano comemoramos um ano novo. Um ano velho  vai, um ano novo vem. Mas o ano novo não é um começo radical : ele é a continuidade de um mesmo tempo. É por isso que o ano novo é contado e recebe um número : 2019.  É um ano novo de um mesmo tempo que é numerado, então, com um ano a mais. O ano novo é um novo ano de um mesmo tempo, e não um tempo novo. 2019 pode ser ano  novo, mas  o tempo que ele anuncia  é o de uma mentalidade retrógrada e conservadora , nostálgica de um passado de trevas.
Entre os gregos o tempo era vivido de outra maneira. O tempo não era concebido de forma linear. Os gregos viviam o tempo como repetição cíclica. O tempo é uma repetição, e não uma progressão numérica. Dois eventos determinam o ciclo do tempo: o nascimento e a morte, a criação e a destruição. O tempo nasce, cresce e morre, como tudo o que é vivo. Porém, o tempo renasce, vencendo sua própria morte.  O tempo que nasce é um tempo novo que nada tem a ver com o que morreu. O tempo novo também não é o desenvolvimento de um tempo antigo. Por isso não se pode dizer que é o ano novo de um mesmo tempo, pois é um tempo novo que nenhuma data ou número pode determinar. Ele é tempo novo, renascido outro. É no tempo novo, e não no tempo morrido, que o tempo mostra sua verdadeira face: deixar para trás tudo o que está morto.
Quantos tempos novos já existiram? Impossível numerar... Infinitas vezes já houve um tempo novo. Apesar disso, sempre haverá tempo novo, a despeito dos homens conservadores do antigo.  É para  criar-se novo que o tempo se destrói como antigo. Repetindo-se, o tempo  sempre retorna, diferente. O tempo não é eterno: eterna é a repetição através da qual o tempo retorna, novo.

“Só podemos destruir
sendo criadores."
(Nietzsche)

                                                              


                                                  
            
                                                                                                                        


sábado, 29 de dezembro de 2018

o antídoto


Quando eu era criança, bem criança, meus pais eram pobres, porém podiam me dar de presente carrinhos simples nessas épocas de  natal  e fim de ano . Eu recebia tais brinquedos e os guardava,  agradecido. Mas esses brinquedos e outros  não me faziam falta, pois eu gostava mesmo era de brincar com as próprias coisas, retirando delas os sentidos acostumados . Por exemplo, gostava de pegar o chinelo de meu pai e fazer de carrinho. Como carrinho lúdico, ao chinelo não faltava nada, pois estava em meus olhos a fonte de vê-lo outra coisa diferente desta que todos viam. Nunca me fizeram falta os brinquedos, enquanto eu soube brincar com o sentido.
Quando eu era criança , portanto, havia o carrinho de brinquedo e o brinquedo que eu inventava com a própria realidade.  Brincar com o carrinho de plástico era bom, mas brincar com o chinelo feito carrinho era mais do que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente,  para subverter  o sentido do que está dado. Com Manoel de Barros, aprendo a manter vivo esse devir-criança como antídoto ao viver  "mesmal" e "acostumado".



quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

- auroras


“O que é verdadeiramente novo nunca vira sucata” , ensina o poeta  Manoel de Barros. “Sucata”, segundo o poeta, é tudo aquilo que a “velhez venceu”. “Velhez” não é uma vida perto do fim , “velhez” é uma vida que se perdeu de seu começo, de seu “minadouro”, de seu embrião. Se 2018 está virando sucata, não está nele essa resistência-(re)invenção.
Mas onde achar  a “não velhez” do tempo ? Onde encontrar  o tempo  “verdadeiramente novo”  que resiste a  virar sucata  ? Onde vive  tal embrião para nos umbilicarmos  a ele e não  virarmos  também sucata ?
Sem fazer alarde ou  promessas,  independente de tecnologias da moda,  a aurora de não importa qual dia nos dá a resposta, sem exigir champanhe ou fogos em troca. Uma aurora sempre vem para nos lembrar que todo dia  é novo! ( e não apenas 1º de janeiro!)
Para resistirmos  ao poder sucateador de direitos   desses dias que virão, necessárias auroras a todos!
                                                                                                                                               
“Durante as viagens sem rumo dos andarilhos
eles são instalados na natureza igual se fossem uma aurora” (Manoel de Barros) 

      

                                                                                                                                                                                                                 

                                                                                                         

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

fim de ano


                 
Limpar a casa: retirar a poeira acumulada que sufocava  de cinza  as cores. Lustrar os vidros da janela : até de novo poder  atravessar a luz do sol por ela. Reorganizar as distâncias entre as coisas :  para que entre elas  haja livre  espaço para  o correr de crianças. Reabrir a porta que mantivemos trancada: para que no coração uma linha de fuga também se refaça. Limpar tudo ao som da música, cantando junto, para que na mente também se opere a faxina. Depois de tudo revitalizado, reentrarmos como alguém que nos fizesse sua primeira visita.

“É a minha própria casa,
mas creio que vim fazer uma visita a alguém.”
(Maria Gabriela Llansol)

“Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros” 
(Manoel de Barros)

(imagem: “Fachada da casa”, de Volpi)







quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

o etnocídio


No filme “O descobrimento do Brasil”, o cineasta Humberto Mauro recria o encontro dos índios com os “civilizados descobridores”. Segundo os livros, tal encontro foi “amistoso”. Porém,assim que chegaram, os colonizadores  queriam “batizar” a terra “descoberta”. Então, adentram a densa floresta , machados em punho. Ignorando suas intenções , e desconhecendo o que era um machado, os índios os seguem. Quando os colonizadores  invadem certa parte da floresta, os índios ficam tensos. Os invasores começam a apalpar as árvores. A tensão entre os índios aumenta. Quando os invasores desferem a primeira machadada em uma das árvores, os índios saem correndo, como se tal golpe os tivesse atingido também. Os “civilizados” dão de ombros e derrubam outra árvore. Com os dois troncos, fazem uma cruz para o primeiro culto. Na praia, enquanto o culto  acontecia, os índios saem da floresta e se aproximam da cruz ,  lentamente ; no rosto, uma expressão de dor. Chegam perto da cruz e a tocam , prostrando-se. Um dos invasores diz: “Vejam: até esses animais que parecem homens se curvaram à nossa religião!”. Mas o que os índios viam ali não era a cruz...Eles viam dois Ancestrais feitos prisioneiros, sequestrados de seu território sagrado. Aquelas árvores arrancadas eram um mesmo corpo ( ou significante) com dois sentidos imateriais e ideológicos diferentes, e um dos sentidos queria exterminar o outro. Platão achava que é somente no plano Imaterial e Ideal que cessam os conflitos, pois lá  viveria a “Verdade Pura”. Porém, no campo imaterial também ocorrem violências, explorações e assassinatos ( em nome de “Verdades Puras”). Pierre Clastres chamava “etnocídio” tal violência simbólica. O genocídio ocorre quando um povo mata o corpo e a alma de outro povo .O etnocídio acontece quando um povo mata ou escraviza a alma e a cultura de outro povo  para subjugá-las à sua. Quanto mais um grupo   imagina que somente os outros têm “ideologia”, e que apenas ele fala e age pela tal  “Verdade Pura”, mais etnocida será tal grupo . E será um grande perigo se tal “ideologia purista” se assenhorar do aparato policial do Estado, pois disso poderão resultar genocídios também.


(imagem abaixo: cena do filme/documentário “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi)   
    

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

PARA O MEU TATATATARAVÔ TUPINAMBÁ


Entre os tupinambás que aqui viviam , quando um guerreiro morria era necessário um último ritual. Os tupinambás foram povos guerreiros que nunca aceitaram ser escravizados. Eles só consentiam como chefe aquele que maior capacidade tinha em se desapegar do poder. Os tupinambás não faziam guerra para ampliar posses ou fazer escravos. Eles guerreavam quando sentiam sua liberdade em risco, pois não aceitavam viver sem honra. Para eles, a morte era a última prova, especialmente para os chefes e guerreiros  tidos como corajosos, generosos, leais. Então, quando um guerreiro morria, pintavam seu corpo com as tintas extraídas do jenipapo. Colocavam junto ao corpo seu arco e flecha, bem como a flauta feita do fêmur oco do inimigo vencido (quanto mais valoroso o guerreiro, mais flautas possuía e tocava para advertir os invasores: só de ouvirem tal som de longe, as pernas dos colonizadores tremiam e   saiam correndo com medo de ficarem sem seus fêmures...).
Ao fim da tarde , após os rituais fúnebres, punham o corpo do guerreiro numa canoa e a empurravam em direção ao horizonte. Os tupinambás não acreditavam na separação entre mar e céu. O azul comum de ambos confirmava suas crenças: o horizonte para eles  era só um limiar, uma passagem. Guardando essa passagem ficava o Grande Ancestral. Se o guerreiro na canoa fora um dissimulado, um traidor que a todos iludiu com esperta lábia, disso saberia o Guardião, que barraria o dissimulado na travessia ao mar do céu. Mas se o guerreiro de fato fora honrado , e não um farsante, o Guardião o deixava atravessar para no céu ser eterna estrela.Na manhã seguinte ao ritual, ao raiar do dia, os tupinambás corriam à praia para ver se as ondas cuspiram uma estrela do mar. Se achassem uma, choravam envergonhados por terem sido enganados por tal imitação de homem virtuoso. Mas se não achassem tal estrela sem luz, na noite daquele dia faziam uma alegre festa, pois mais um guerreiro valoroso estava brilhando como estrela viva a protegê-los dos maus.
O Bozo disse que os índios querem “viver como nós”. “Nós”  quem, cara-pálida?








- esta música é cantada nos ritos de iniciação dos jovens Kayapós à vida em comunidade. A letra lembra aos jovens que os Ancestrais também sãos os rios, as árvores, enfim, a terra que dá alimento e proteção ( e que precisa ser cuidada e preservada).





sábado, 15 de dezembro de 2018

máquinas de guerra


A admiração que o povo grego tinha por Sócrates não se devia a discursos ou meras palavras por ele ditas. Muitos até zombavam de frases tipo “Conheça-te a ti mesmo” ou “Só sei que nada sei.” Não era por frases assim que Sócrates era considerado filósofo pelo povo. Àquela época , todo cidadão também era, por dever , soldado ( não no sentido que esta palavra  tem hoje). A democracia tinha muitos inimigos externos. Era preciso defendê-la. Os exércitos dos outros povos quase sempre eram compostos por servos e escravos obrigados a lutar  por medo e subserviência a um  Déspota  que os subjugava e os forçava  a dar a vida por ele( evocando um Deus do qual o Déspota se  dizia  o “eleito”) .  Mas do exército de Atenas faziam parte cidadãos livres lutando pela sobrevivência da democracia, pois apenas homens livres lutam livremente pela democracia e entendem sua necessidade. De um tal exército jamais faria parte alguém que pensasse como o “Capitão-Bozo”.
Como todo grego daquela  época,  Sócrates também era  um cidadão-soldado. Muitos o queriam na retaguarda, protegido, dedicando-se exclusivamente a pensar estratégias para o combate, valendo-se de sua elevada capacidade para teorizar. Mas Sócrates não apenas recusava tal papel de “general das ideias”, como colocava-se à frente da infantaria guiando os mais jovens, sendo o primeiro no enfrentamento contra o inimigo bárbaro. Sócrates venceu inúmeras batalhas    sem aceitar prêmios ou medalhas em troca. Era no campo de batalha que ele provava ser o que dizia ser, filósofo, sem faltar à coragem que o pensar pede para ser também ação , mesmo correndo  riscos. O libertário  Diógenes, o estoico Marco Aurélio, o poeta-filósofo Lucrécio , o democrata Espinosa e até mesmo o insubmisso Nietzsche se reconhecem nesse Sócrates-guerreiro como exemplo para outras batalhas em defesa do pensamento , da arte e da vida, cujas armas são as ideias. Tal Sócrates é muito diferente daquele “depreciador da existência”, o “Sócrates-moralista”, que o monarquista  Platão academizou em seus livros, pondo-o longe da Vida.

("máquina de guerra" cuja arma não mata, liberta).



quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

os achadouros do poeta


No poema “Achadouros”,  Manoel de Barros nos fala de uma  senhora, a "negra Pombada, remanescente de escravos do Recife", que  contava aos meninos sobre Corumbá ter “achadouros” , que eram buracos  feitos pelos   holandeses  em seus quintais para esconderem suas moedas de ouro, antes de fugirem apressadamente do Brasil. Durante muito tempo em Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros , os homens  escavaram  quintais para ver se ali achavam ouro...
Manoel diz que  poeta é quem busca  achadouros também, mas o tesouro que ele deseja achar é outro : o poeta escava o ordinário até achar  o extraordinário; ele escava o tempo até achar a eternidade; ele escava o “mesmal” até achar a novidade; ele escava a si mesmo até achar a criança que ainda não morreu.  Onde tudo parece estar  acabado e morto, o poeta escava e acha/inventa inauguramentos, minadouros: “O homem somente acha nas coisas aquilo que ele mesmo nelas pôs. O ato de achar se intitula  ciência; o ato de pôr  se chama arte.” (Nietzsche)



quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

- resistência-Cartola

Segundo Heidegger, o mundo atual confunde o “diminuir a distância” com o “criar proximidade”. A tecnologia diminui as distâncias, sem dúvida. Mas uma coisa é diminuir a distância entre seres no espaço, outra bem diferente é criar proximidade com o sentido das coisas, pois tal sentido também é arte, afeto. Esse sentido nem sempre está dado, às vezes precisa ser descoberto ou mesmo inventado. O telescópio diminui a distância entre a lua e nossos olhos, isso é fato. Porém, quando lemos Manoel falando sobre a lua, o poeta não põe a lua perto de nós no espaço, porém ele a põe a tal ponto próxima que, empoemando-nos, experimentamos seu sentido também em nós, no "devir-lunar" que nos tornamos.
Quando Cartola diz que “as rosas não falam”, qual o sentido dessas rosas? O que elas têm que não têm as rosas que pomos em jarros? Um dia estas últimas murcham, como tudo aquilo que a arte não salva; mas nunca morrem as rosas que a canção de Cartola nos põe próximos . Essas rosas que vencem  a morte também nos ensinam a resistência.

( foto roubartilhada de Enrico Rocha . Certa vez, as forças repressoras, forças da tristeza, queriam acabar com uma roda de samba. Elegantemente, mas firme, Cartola resistiu. Viva Cartola!)
        







                                         ( "Peito Vazio"/ Cartola & Elton Medeiros)

domingo, 2 de dezembro de 2018

devir-borboleta


Na Grécia, “travessia” se escrevia assim: “eudaimonia”. Essa palavra também pode ser traduzida por “felicidade” ( chamada por Espinosa de “beatitude”). “Eudaimonia” significa: “estar na companhia de um bom Daimon “. Só o bom Daimon auxilia na travessia.  O Daimon era representado com asas de borboleta, e não com asas de pássaro. Pois os pássaros já nascem com asas, já as asas da borboleta somente nascem após a metamorfose de um ser que rasteja: a lagarta. O caminho que leva da lagarta à borboleta não é reto e nem está sinalizado, tampouco o ensinam cartilhas. Entre a lagarta e a borboleta  há uma metamorfose.  Uma metamorfose nada tem a ver com uma mera transformação. “Trans-formar” significa: “passar de uma realidade menos desenvolvida a uma mais desenvolvida dentro de uma mesma forma”, como a criança que se desenvolve em adulto dentro da forma humana. “Metamorfose”, ao contrário, significa: “conquistar  uma realidade nova que não estava contida na antiga forma”. A metamorfose ensina que a antiga forma nada mais era do que prisão que nos acostumava a ser lagarta. Manoel de Barros chama de “deslimite” a esse devir-borboleta. Deleuze intitula “linha de fuga”. Linha de fuga não é fugir de algo, mas fazer fugir de uma forma uma potência que ali era sufocada. A mais necessária das travessias não se faz sobre caminhos já prontos e asfaltados, mas na conquista de uma nova realidade que não existe antes de ser inventada.
               
“Borboleta é uma cor que avoa”(Manoel de Barros)




                                 (cena do filme "A dupla vida de Veronique", do diretor Kieslowski)




BORBOLETAS 
(Manoel de Barros)

“Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidades para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul”.

***   ***   ***


“No mistério do sem-fim

equilibra-se um planeta.

E, no jardim, um canteiro.

No canteiro, uma violeta.

E, sobre ela, o dia inteiro,

a asa de uma borboleta."

(Cecília Meireles) 

           
                                                 
“Parecia que ia morrendo

e revivia.

E girava asas imensas,

maiores do que a noite e o dia.

Rouca, delirante, aguerrida,

pisando  a morte e os maus agouros,

‘olé!’ –  dizia."


( A METAMORFOSE DE UMA BORBOLETA, Cecília

 Meireles)





sábado, 1 de dezembro de 2018

- da necessidade do própolis

Para Espinosa, o ato de conservar se torna mero mortificar quando se separa o produto  do produtor. Não é apenas o produto que deve ser conservado: deve-se conservar, antes de tudo, o produtor que o gerou. Conservando o produtor, conserva-se sua potência de produzir o novo. Seria absurdo querer conservar apenas a mesa que o artesão produziu sem conservar também a potência do artesão de produzir futuras mesas , inclusive mesas diferentes daquelas que ele já fabricou.  Como conservar o produtor? Não limitando sua potência de produzir, sua potência de autogovernar-se. A democracia é a união indissolúvel do produto ao seu produtor. O produtor da democracia não é o Estado, este é apenas um de seus produtos. O produtor da democracia é a sociedade plural e aberta. A democracia não é um produto da sociedade, a democracia  é a própria sociedade enquanto autoprodutora de si. A democracia é, sobretudo, conservação da potência de produzir mais democracia. Quando o Estado se separa da sociedade e passa a servir apenas a um fragmento dela, somente assim nasce o Estado Conservador como mortificador daquela potência produtiva , que passa então a ser ameaçada.
 O formol e o própolis são agentes conservadores. Porém, o formol precisa que esteja morto o que ele conserva, ao passo que o própolis conserva a vida da colmeia para a produção do  mel na imanência dela. Os escravocratas queriam conservar a escravidão, os nazistas queriam conservar os campos de extermínio, os torturadores queriam conservar o aparato que lhes permitia torturar .O que caracteriza os loucos, inclusive, é seu empenho em conservar seu delírio, fechando-se às ideias produtoras de saúde mental.  A conservação só não se torna mortificação quando conserva o produtor e sua potência de produzir vida nova. “Estado Conservador” , como prega o Bozo, é aquele que quer ser o formol de uma sociedade que ele mesmo se incumbirá de mortificar.
                                                                                                                                                                                            
(  Espinosa : vida é pluralidade multicor)