domingo, 14 de setembro de 2014

os achadouros do poeta



jardim de primavera



Eu tentei me horizontar às andorinhas.
Manoel de Barros

O plano de imanência é o horizonte absoluto.
Deleuze & Guattari

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                                                           OS ACHADOUROS

                                                               Quando o sábio se vê reduzido à necessidade,
mesmo aí ele acha mais ocasiões de ofertar do que de receber,
pois ele possui um tesouro que nunca se esgota:
o de possuir a si mesmo.
Epicuro.


No poema Achadouros Manoel de Barros nos fala de uma  senhora, a "negra Pombada, remanescente de escravos do Recife", que  contava aos meninos sobre Corumbá ter “achadouros” , que eram buracos  feitos pelos   holandeses  em seus quintais para esconder suas moedas de ouro, antes de fugirem apressadamente do Brasil. Durante muito tempo em Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros , os homens  escavaram  quintais para ver se ali achavam ouro.O poeta é aquele que busca os achadouros também, mas o tesouro que ele deseja é outro : ele escava o ordinário e ali acha o extraordinário; ele escava o habitual e neste acha o incomum; ele cava em si mesmo e dentro de si ele acha o mundo ainda por descobrir. Ele acha, em meio ao barro,  ao húmus, ele acha/inventa o ouro de uma vida da qual nunca cessam os inauguramentos.

sábado, 13 de setembro de 2014

manoel de barros : "poesia é voz de fazer nascimento"




(trecho do livro)

- Um sujeito larvar 
  
Pela voz poética de  Manoel de Barros também se tornam sujeitos,mas sujeitos larvares, uma quantidade infindável de seres: lagartixas, girinos, bocós,  pedras que dão leite, patos atravessados de chuva, arames de prender horizonte,tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma... enfim, o que não se pode vender no mercado: “coisas se movendo ainda em larvas, antes de ser idéia ou pensamento”. 
Manoel de Barros nos diz ainda:  

Quem atinge o valor do que não presta é, no mínimo,
Um sábio ou um poeta.
É no mínimo alguém que saiba dar cintilância
aos seres apagados.
Ou alguém  que possa frequentar o futuro das palavras.
    

 Mais do que tudo, o que por sua voz fala é  a própria língua que, despida  da forma da  gramática, “voa fora da asa”: 
  
             Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer  nascimento 
             O verbo tem que pegar delírio.  

 Este “fazer nascimento” referido pelo poeta inunda a poesia com a potência de um germe: na imanência deste, o verbo, como logos, liberta-se dos substantivos e das substâncias; devém ele próprio experimento com o sentido, e nos ensina: 

“Poesia é voar fora da asa”: “a poesia é a loucura da palavra”.
  

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

flor do abacate


                                                     A própria mente,
supondo que
abrange, analisa
e compreende todas as coisas,
conclui
que está em tudo
e tudo está nela.
Nicolau de Cusa 

Segundo afirma o filósofo Leibniz, se pegarmos uma simples semente, a de um abacateiro por exemplo, se a pegarmos e  plantarmos, dela nascerá uma árvore:um abacateiro.E do abacateiro brotarão incontáveis frutos, e dentro de cada um haverá uma semente.Se plantarmos as sementes assim nascidas, delas nascerão outros abacateiros, e em cada um deles florescerão incontáveis frutos.E em cada fruto uma nova semente.Se plantarmos cada uma, novos abacateiros nascerão e em cada um deles novos frutos com novas sementes...
Na simples semente está contida uma floresta inteira, o finito é o casulo que prende o bater de asas do infinito.A forma ou limite é a semente, mas potência é a floresta.Quem tem forma é a semente, não o infinito que está no coração dela.
Dentro de cada semente não está a floresta com suas árvores já prontas e individuadas, pois a floresta que existe dentro da semente é uma floresta em rascunho, uma floresta-embrião ;uma floresta enquanto potência de expansão e diferenciação. No interior da semente não está uma floresta com duas, mil ou um bilhão de árvores.Essa virtual floresta existe não como quantidade, mas como intensidade de uma vida que nasce de si mesma, e que o faz se afirmando. Além disso, a semente enquanto indivíduo isolado é uma abstração que não existe.Pois a simples semente que temos nas  mãos somente existe porque ela permanece ligada à potência que mora dentro dela: é esta potência que é sua razão de ser e essência, e não o inverso.
Na simples alma de uma criança está a alma da humanidade inteira, na simples palavra está o sentido que nem mesmo um bilhão de palavras podem dizer, mesmo que que fossem ditas juntas.No simples dia, para quem sabe viver, está a eternidade inteira: carpe diem...
Mas para que a floresta nasça é preciso que a semente seja plantada, cultivada, cuidada.
E feliz se torna a semente que descobre em si essa floresta, uma floresta que não cabe nela, e que a põe em estado de rascunho, de anexatidão, de deslimite, enfim, em estado de poesia.É preciso ver não apenas a floresta que está em cada semente, mas também as sementes que nascem dos frutos da floresta, de tal modo que nunca deixarão de nascer sementes enquanto das sementes nascerem florestas.
Para Espinosa, a mente singular é como essa semente:mais potência de compreensão ela obterá quanto mais ela deixar nascer a floresta que está na imanência dela. De tal maneira que o nascimento da floresta não significará em  morte da semente, mas na sua maior potência de vida, de ampliação de sua vida.Ela poderá ser reconhecida pela sua generosidade, pela sua simplicidade e pela sua capacidade de renascer no fruto que nasceu da árvore que se tornou uma potencialização sua, e não sua morte.












Frida Kahlo - Moisés ( ou  O núcleo da criação) // 1945.