segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Manoel & Lucrécio

 

O poeta-filósofo Lucrécio afirmava que a natureza não é só infinita, ela também é diversa. Diverso é tudo aquilo que não pode ser totalizável, isto é,  determinado por uma quantidade .

Por exemplo, quando contamos quantos objetos têm numa caixa, após chegarmos ao último objeto totalizaremos aquela quantidade de coisas por um número que nos dará a conhecer quantos objetos a caixa tinha.

Os homens imaginam o universo como uma caixa semelhante: eles imaginam  o universo como uma caixa que contém uma quantidade infinita de coisas, sendo  a caixa  uma única coisa.

Por isso, diz Lucrécio, a noção de “universo” é equívoca, pois nos leva a crer/imaginar que a unidade contém a pluralidade, tal como uma caixa com as muitas coisas que ela retém dentro dela.

Lucrécio prefere o termo pluriverso: o pluriverso não contém uma diversidade, pois ele é a relação das coisas diversas entre si produzindo uma diversidade sempre aberta e não totalizável.

Às vezes, nós mesmos imaginamos nosso eu como uma caixa que contém ideias, percepções, lembranças, desejos, afetos...Na caixa-eu estaria  nossa identidade retendo-contendo tudo o que vivemos.

Mas Lucrécio ensina que pensar é destotalizar-se: sair da caixa e conectar-se diversamente com o diverso, libertando  o diverso que somos da caixa que,  às vezes, nós mesmos somos para nós mesmos.

O diverso não pode ser contido, pois a essência de todo diverso  é fluir. Ao invés da caixa e coisas fechadas, o pluriverso de Lucrécio é feito de fontes, fluxos, desvios, composições, agenciamentos.

Essa ideia de que somos uma caixa vem do poder-limitador que , para nos limitar a um tamanho menor do que podemos ser, nos inculca a crença de que somos algo que contém uma diversidade de coisas, quando na verdade  somos uma diversidade que sofre contida numa caixa sempre menor do que podemos ser.

O medo, a obediência, a resignação, a superstição, o egoísmo...não estão no  centro de tal caixa, pois  esses aspectos limitadores  são exatamente o contorno da  caixa existencial  que limita e diminui o homem para que ele possa caber nos estreitos limites físicos e cognitivos que o poder dominante o obriga a caber.

São esses limites que secam as fontes, aprisionam os fluxos, reprimem os desvios que poderiam levar à direção nova, enfim, impedem as composições e colocam os limitados em guerra com outros limitados,  cada um lutando para manter seus limites, tanto os indivíduos entre si quanto os Estados.

Porém ,  ampliar fronteiras é aumentar os limites-cercas, muitas mantidas com arame farpado. Assim, lutam os homens por sua servidão como se fosse por sua liberdade.

Mas como ensina o poeta-pensador Manoel de Barros, somente o horizontar-se  conquista a paz e nos desabre,  por dentro e por fora.


"Com Epicuro e Lucrécio começam os verdadeiros atos de nobreza do pluralismo em filosofia."(Deleuze)





É uma ilusão profunda e ingênua imaginar que "o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo". A hiena é inimiga do leão e o odeia, só por isso ela seria nossa amiga? Como ensina Espinosa, o ódio não une ninguém. O que une verdadeiramente é o amor à paz e à vida digna. 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

a origem do carnaval

A origem do carnaval se inspira em Dioniso . Porém, segundo Pierre Vernant , não é   adequada a expressão “Dioniso, o deus das Artes”.  

Os homens sempre imaginam  deus   como algo distinto de sua obra. “Deus criou o mundo”, dizem eles.  

Mas não é assim o modo como os gregos , povo pensador e poeta, viam  os deuses.

Eros não criou o amor, tampouco Eros  existia   antes de existir o amor: Eros é o Amor, o Amor em seus vários sentidos, incluindo sentidos ainda a serem criados.

Dioniso não criou a arte , Dioniso  é a arte em suas mais diversas expressões, inclusive  a arte de existir enquanto “poética da existência/resistência”, como ensinou  Foucault.

Antes de existir a arte, portanto, não existia Dioniso: ele é, ao mesmo tempo, o produtor e sua obra.

Assim, em vez de “divindade”, o nome que melhor traduz essa capacidade criativa é:  Potência. O conhecimento, o amor , as artes...são Potências da Vida.

 A palavra “potência” é irmã da palavra “possibilidade”,  ambas vêm de uma palavra mais antiga significando “capacidade de criar”. É  por isso que se diz: enquanto houver vida, há possibilidade. Pois Vida é Potência: Pura Possibilidade de (auto)criar , ou (re)criar, a si própria.

E  as Fúrias, os Cíclopes e outros seres destrutivos da mitologia,  são também Potências da Vida? Esses seres  não são Potências, são forças :“forças reativas”, dirá Nietzsche.  

Essas forças reativas não são criadoras  de  Possibilidades, elas  são propagadoras da destrutibilidade (as Fúrias, por exemplo, nasceram do sangue derramado pela violência).

 Porém, às vezes a Potência pode se servir da destrutibilidade : Zeus, por exemplo, emprega o trovão para destruir as injustiças; o  Amor à liberdade,  por sua vez, vale-se da indignação enquanto força coletiva para destruir a tirania. Como ensina  Nietzsche : “Só podemos destruir sendo criadores”.

As Potências são originárias, já  as forças derivam de uma reatividade: ao invés de afirmar e criar, as forças reativas apenas negam  , destroem , fazem estúpidas  guerras, ontem e hoje.

Quando criança , Dioniso foi despedaçado pelas Fúrias.  Mas Zeus sabia que havia em Dioniso uma parte imortal, uma parte que as forças ressentidas do ódio não podem  destruir, por mais que tentem.

Essa parte imortal é o coração. Zeus pegou então  o coração de Dioniso-Criança e dele fez renascer um ser novo ainda mais potente.

Isso explica seu nome: “Dioniso” = “aquele que nasceu duas vezes.” A primeira vez Dioniso nasceu chorando, como todo recém-nascido. Mas ao renascer Dioniso ressurgiu com alegria, afirmando o  triunfo da vida frente  a seus carrascos.

O nome latino de Dioniso é “Baco”,  que significa  “embriaguez”. Pois mesmo antes de descobrir o vinho,  Dioniso-renascido  já se embriagava de vida com a pura  água que ele  bebia das fontes .

Ninguém melhor do que o poeta Baudelaire soube expressar essa Potência  dionisíaca, arte  de afirmação da Vida: “É preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!”

Embriagar-se assim não é anestesiar-se , mas intensificar em nós a vida.



 

 


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

o niilismo dos homens da guerra

 

Há um comportamento chamado “niilista”. Essa palavra vem de “nihil” ,  expressão que costuma ser traduzida  por “nada”. O niilista, dizem, é aquele que não crê em nada.

Mas a tradução mais adequada de “nihil” é, na verdade, “nulo”.  O niilista é aquele cujas palavras, ações e visão de mundo são nulos. O nulo não é o nada, o nulo é o que quer reduzir a vida a nada.

O niilista não é um ateu, o niilista é aquele que até  fala muito em Deus, mas sua concepção de Deus é nula, pois não tem  autenticidade vital.

O niilista não é um deprimido, o niilista  pode ser até muito piadista e risonho, mas sua alegria  é nula . É uma “alegria que nasce da tristeza”, como já diagnosticava Espinosa; e Nietzsche chamava de “niilismo reativo” a essa forma de vida triste.  

O niilista não é um apolítico, ele se envolve e faz política, porém sua política é nula: ódio à democracia.

 Um dos antônimos de “nulo” é “fecundo” ou “potente”. O niilista é um infecundo: no viver, no agir e no falar.

 O niilista  não é um potencial suicida, mas aquele cujo viver é nulo, impotente,  mesmo que viva mil anos. E enquanto ele viver, viverá ameaçando anular a vida dos outros...

 O niilismo reativo é um ódio profundo à vida. Por isso, está sempre querendo anulá-la: rios, árvores, terra, força humano do trabalho, enfim, o planeta...Tudo isso  o sistema niilista anula transformando em mercadoria para preencher a sua nula vida com consumos escapistas.

 Mas nada atrai tanto o niilista quanto o ódio e a guerra. Guerra e ódio, a destruição cega, tornam objetiva a nulidade existencial do niilista.

Há em todo niilista um ódio a tudo o que é fecundo e potente. Num mundo conduzido por homens niilistas, o poder se torna máquina de ódio ameaçando anulações recíprocas.

Que Gaia, Pachamama, enfim, a Mãe-Terra com sua Fecundidade e Potência  de Vida,  nos protejam desses homens da guerra  ressentidos, vingativos e perigosos para toda a vida no planeta.


Obs.: Nietzsche fala ainda do "niilismo passivo", que é diferente do tal niilismo reativo. O niilismo passivo se expressa naqueles que se dizem "neutros", que não tomam partido. Embora o que escrevi não tenha como referência exclusivamente Nietzsche, são três as formas de niilismo: niilismo reativo, niilismo passivo e niilismo ativo. Ou seja, os destruidores/ressentidos, os "neutros mortos-vivos" e os críticos-criativos-ativos.

 


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

o tato

 

Dos cinco sentidos que possuímos , o tato é o mais ancestral. Muitos seres vivos não têm olhos e nem ouvidos, porém possuem algum tipo de tato. Pois não existe ser vivo que não possua tato. É pelo tato que o ser vivo toca e é tocado.

De tato  vem “contato” enquanto “tato mútuo”.  Não só os corpos fazem contato quando se abraçam, também fazem contato as almas quando se entendem mutuamente.

A palavra “afeto” se origina de um verbo latino que significa “ser tocado”. Assim, o afeto é uma questão de tato: tato consigo, tato com os outros, tato com o universo. Muitas vezes, não basta ter olhos e ouvidos para compreender uma situação, é preciso ter tato.

Solidariedade, tolerância, justiça, conviver democrático das diferenças...Tudo isso pressupõe , primeiramente, tato social. Ser empático, por exemplo,  é ter a sensibilidade tocada pela existência do outro, já a falta  dessa forma de tato humano caracteriza  os psicopatas.

De tato também vem “intuição”. Pois enquanto a “dedução” é um procedimento lógico-abstrato, a intuição é um contato imediato e concreto com  realidades externas e  internas.

Todos os outros sentidos vieram do tato. O gosto, por exemplo, é o segundo sentido mais ancestral, e nasceu também do tato. Sentimos  o gosto quando algo toca/afeta nossa língua e boca.

Não por acaso, “saber” vem de “sabor”. Há ideias que a gente consegue sentir o gosto delas, se são alimento ou veneno. E ninguém descobre a importância do ler e do pensar se não desenvolver, antes, o gosto pela leitura e pelo pensar. Pois o gosto não é algo meramente teórico, o gosto está envolvido com nossa vida e nossas ancestralidades  corpóreas .

Mesmo a visão, que é considerado o sentido mais intelectual e espiritual, mesmo ela nasceu do tato! Isso aconteceu há milhões de anos , e tem por personagem  um ancestral nosso que vivia debaixo d’água. Ao ser afetado/tocado pela luz, esse ancestral conseguiu fazer com que parte da pele dele se especializasse em sintetizar as ondas luminosas. Ele passou essa capacidade  para seus descendentes e, com a evolução, surgiu  uma abertura ao mundo visível:  nasceu a visão. Sem a inventividade desse ancestral submerso nas cristalinas águas, não teria podido  surgir Platão e sua contemplação do Mundo Celeste...

Ninguém melhor do que Clarice Lispector compreendeu essa potência  inesgotável do tato enquanto “(re)descoberta do mundo”.

Ela dizia que escrever não é retirar de dentro da cabeça ideias prontas  já conhecidas e pensadas. Escrever é pôr-se na ponta dos pés, elevando-se o máximo possível , mas sem perder o con-tato com a terra.

Depois , esticar os braços e mãos o máximo que pudermos , para  com a ponta dos dedos do pensamento tocar e colher, com o tato do afeto, o fruto que nasceu da árvore mais alta, e que parecia, aos olhos,  inalcançável.

 

“O mais profundo é a pele.” ( Valéry)


“É pelo tato que a fonte do amor se abre.”(Manoel de Barros)







domingo, 20 de fevereiro de 2022

em busca do tempo perdido

 

“Em busca do tempo perdido” fala do mais necessário dos aprendizados, um aprendizado tão necessário quanto difícil.

Não é um aprendizado a ser feito por crianças a serem educadas , tampouco por  adultos que pouco estudaram.

O aprendizado de que trata a obra  deve ser buscado por  alguém que sabe usar as palavras e se formou aprendendo  teorias, mas que se dá conta que as teorias já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada, nada ensinam.

Esse aprendizado , portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se trata do tempo preso na gaiola  abstrata  do relógio , e sim do tempo concreto ,  duração  intensiva  da vida e do mundo. 

 “Perdemos o tempo”  mais do que o vivemos, enquanto ignorarmos seu aprendizado. 

O primeiro aprendizado vem acompanhado da angústia em perceber que o “tempo que se perde” somente sabemos dele depois que ele passa : o “mesmal” do viver resignado nos faz perder presentemente o tempo, sem disso nos darmos conta.

O segundo aprendizado pode vir  das relações afetivas, enquanto  projetos em comum de futuro. Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se tempo perdido que , apesar de passado, ainda pesam no presente. Essa vivência  do “tempo perdido” não se faz sem decepção e dor. É por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu início, doloroso.

Até que pode advir um terceiro aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. Aqui quem nos auxilia é  uma memória artista e clínica . Essa memória pode nos ensinar  que no passado vivido havia realidades  que  não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme , a insegurança ou o desejo de posse.  No seio do tempo perdido a memória não ressentida redescobre lição nova. Não podemos mudar o passado, porém podemos evitar que ele seja um peso para o nosso presente.

A última etapa da aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo é redescoberto aqui e agora, e não no passado. Ele não é futuro planejado , ele é o amanhã criado a partir de agora, como antídoto à perda presente do tempo  e libertação do tempo que passou .

No sentido bem amplo da palavra, e dito de maneira simples, o tempo redescoberto é a descoberta da arte em seu sentido existencial, enquanto potência (re)criadora da própria vida, pessoal e coletiva.

O tempo redescoberto nos ensina que redescobrir o tempo é redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde e no tempo perdido somos nós mesmos que nos perdemos.

Tempo que se perde , tempo perdido , tempo que se redescobre e tempo redescoberto : esse é o caminho do aprendizado cujo mestre é o tempo.

O filósofo Gilles Deleuze assim resume a lição mais importante desse aprendizado: "O aprender vem antes do ensinar.”





Trecho do filme “Lavoura arcaica” ( no vídeo,   o ator Raul Cortez lê um texto de  Raduan Nassar):















sábado, 19 de fevereiro de 2022

diferença entre ser simples e ser simplório

Ser “simples” nada tem a ver com ser “simplório”. “Simples” vem de “simplex”. Em latim, “plex” é “dobra”.

Essa mesma raiz “plex” está presente em outras palavras: “complexo”, “o que está dobrado junto”; “explicar”: “ retirar de si o que lhe está dobrado ”, dobrado no sentido de estar “implicado” em nossa existência ( “implicado” também possui a raiz “plex/pli” em seu coração).
Assim, “simples/simplex” é: “o que está desdobrado”. Todo ser simples é um desdobramento de algo complexo que lhe está implicado.
Ser simples nada tem a ver com ser um ponto isolado, como o ponto-ego. Ser simples é ser como a linha que se desdobra de um novelo.
Quando a gente explica algo que não é apenas palavra teórica, isso que a gente explica é desdobrado de ideias e afetos que estão implicados em nós, dobrados juntos com todas as fibras do nosso ser. Dessa maneira, quem assim explica também se explica naquilo que lhe está implicado e dá sentido à sua vida. E explica não apenas falando, também explica agindo, sendo exemplo autêntico.
O simples nunca perde a complexidade múltipla à qual permanece ligado, como o fio de Ariadne puxado/desdobrado de um novelo complexo, no qual mil caminhos a serem trilhados/inventados ainda estão dobrados virtualmente.
O simples é o que desdobra algo que lhe está dobrado e implicado, enquanto realidade múltipla e inesgotável.
Já “simplório” é o pobre de espírito que tenta imitar ter a complexidade e riqueza existencial dos autênticos simples. O “simplório” é , portanto, uma caricatura, uma impostura regada a frango e farofa (como naquela cena grotesca do simplório-miliciano , agora autodefinido “irmão” do tirano da Hungria...)
Em geral, os “simplórios” são seres ressentidos que odeiam toda complexidade e riqueza, inclusive a riqueza do conhecimento; por isso, estão sempre tentando reduzir toda a complexidade dos novelos existenciais a um único ponto cujo tamanho é o da sua pequenez.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Hipnos, Phantaso e Morpheu

 

Segundo a mitologia,  a alma é um Sopro , uma brisa úmida , como aquela que, vinda do oceano, vivifica os desertos e faz crescer flores. Em grego, “sopro” se escreve “pneuma”.

Sopro não é só o vento, o  ar. Quando sopramos, por exemplo, o sopro vem de dentro de nós  trazendo  vida,  umidade e calor. Quando alguém sufoca após se afogar, a respiração boca a boca envia um  pneuma para tentar a outro   pneuma  salvar. E no beijo amoroso  não só as bocas se tocam, os pneumas também se interpenetram.

Enfim, cada alma-pneuma é um sopro cósmico da Mãe-Terra.

Quando a gente entra no sono, nossa alma-pneuma forma um único ser com nosso corpo ( em grego, corpo é “soma”, de onde vem “psicossomático”). É Hipnos, divindade do sono, que nos faz dormir.

Embora “sopro”, nossa alma-pneuma tem raízes que se enraízam por todo  o corpo:  em cada órgão, célula e átomo dele a alma-pneuma está enraizada.

A raiz da alma-pneuma não está apenas num único ponto, como  a raiz de uma árvore; na verdade, a raiz da alma-pneuma é raiz rizomática , raiz múltipla e vária.

Enquanto  dorme, a alma-pneuma pode receber a visita  de Phantaso. Desse nome vem “phantasia”; em latim ,   “imaginatio”, “imaginação”. Phantaso-imaginação  é , ao mesmo tempo, contador de histórias, pintor e escultor. Phantaso-imaginação é inventor de mundos que não existem.

Então, Phantaso-imaginação desperta um pouco a alma-pneuma , mas sem que ela acorde totalmente . Com a alma-pneuma inconsciente de si, Phantaso-imaginação produz nela os sonhos-fantasias:  realidades que só ela vê e sente, mas que ela fantasia serem como o mundo que ela vive desperta.

Phantaso-imaginação pinta e esculpe esses mundos fantasiosos com a matéria etérea da própria alma-pneuma, sem que dessa arte ela tenha consciência.

Diferente de Phantaso é  Morpheu. Ao contrário do sonho-fantasia provocado por Phantaso, o sonho trazido por Morpheu é um sonho-viagem, um sonho-descoberta, pois é um sonho que conduz a alma-pneuma a ir visitar paisagens e pessoas.

Morpheu  desperta  a alma-pneuma para sentidos e significados que lhe escapam quando ela está acordada.

Os sonhos de Morpheu ensinam e revelam  outras faces, faces que estavam ocultas, tanto nossas quanto dos outros seres.

Se a alma-pneuma vai dormir com muita saudade de alguém, Morpheu com suas asas aladas conduz a alma-pneuma  em sonhos a visitar esse alguém, esteja esse alguém onde estiver.

Enquanto assim sonha-viaja, a alma-pneuma continua enraizada no corpo, por mais longe que em sua viagem vá. Por isso, raízes-rizomáticas longas, como o fio de Ariadne,  deve ter  o sonhador, sobretudo quando sonha utopias.

Enquanto viaja-sonha, tudo o que a alma-pneuma sente é transmitido pelos fios invisíveis  de suas raízes que estão enraizados no coração, de tal modo que o corpo também sente o que a alma-pneuma sonha.

Às vezes, é uma outra alma-pneuma , de nós saudosa, que Morpheu nos traz em visita, de tal modo que amigos e enamorados, mesmo dormindo, em sonhos  se veem ,  se abraçam e matam saudades.


                                                                                                                                      Para A-C F









quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

UMA PEQUENA HOMENAGEM À GRANDE NISE DA SILVEIRA ( ONTEM SE COMEMOROU SEU ANIVERSÁRIO)

 

Nise da Silveira cita Bachelard quando este dizia que nossa saúde mental , ou a falta dela, depende  mais do que fazemos com nossas mãos do que daquilo que teorizamos com nossa mente .

Talvez  por isso  , depois de filosofar, Espinosa se dedicava a fabricar e  polir  cuidadosamente lentes, como um simples artesão .

Após abstratos raciocínios lógicos, Wittgenstein fechava  os livros para ir plantar  flores no jardim de uma escola, feito um jardineiro.

Deleuze costumava desenhar linhas de fuga entre as aulas, nisso se assemelhando a um cartógrafo.

Plotino deixava  seus solitários  estudos metafísicos para  ir alimentar com as próprias mãos pequenos órfãos, como se fosse um cozinheiro.

Depois de escrever  profundas páginas que , segundo dizem, até lhe arrancavam lágrimas ,   Heráclito construía lúdicos   brinquedos de madeira para as crianças,  reinventando-se carpinteiro.

Sobretudo para aqueles cujo pensamento ousa ir muito longe em busca de terras novas, para ele não se perder, é bom mantê-lo unido a mãos que tocam, transformam ou cuidam da realidade próxima.

São essas mãos solidárias que também nos protegem   da “mão invisível” do mercado (que  apenas sabe contar dinheiro, sem se importar eticamente de onde ele veio); e é igualmente  de mãos dadas com essas mãos libertárias  que podemos mais  do que aqueles  que, querendo nos pôr medo,  imitam com a mão uma arma  fascista , para nós apontada.

Enfim, somente  mãos que conduzem, cuidam ,alimentam ou transformam  podem ser    a afetiva âncora do pensamento no aqui e agora, sem fazê-lo perder o horizonte aberto  para o qual sempre se desterritorializa e decola . Mãos que se ocupam em mudar  o mundo  também nos saram.


“Poesia é Oficina de Transfazer a natureza.” (Manoel de Barros)

 

“Em minha Ética,  quero explicar aquelas coisas que possam nos conduzir, como que pela mão.” (Espinosa)

 

( imagem:  o gatinho da Nise chamado “Carlinhos”, ela própria e Espinosa multicolorido)



 

domingo, 13 de fevereiro de 2022

tramas e urdiduras

 

Na mitologia , o Destino era representado por três sinistras irmãs : as Moiras. Elas eram cegas, porém tinham à mão um estranho olho de vidro com dom de ver passado, presente e futuro. Esse olho é o tataravô das “bolas de cristal” nas quais se crê antever o que os nossos dois olhos não veem.
Uma das Moiras puxava o fio da vida, outra o esticava, enquanto a terceira o cortava rindo e zombando , como se cortar o fio da vida fosse uma diversão macabra.
Com o fio, as Moiras fabricavam uma “ordo”, uma “urdidura” , isto é, uma “Ordem” da qual ninguém conseguia escapar. A “ordo/urdidura” era feita com linhas retas na horizontal e na vertical, como as grades de uma prisão.
Muito diferente era o fio de Ariadne: fio do Afeto, fio da Arte. Enquanto o fio das Moiras estava preso a uma roda ( a “Roda da Fortuna”), o fio de Ariadne era puxado de um novelo, e assim libertado . Quanto mais se confia nesse fio, menos as Moiras conseguem cortá-lo.
“Con-fiar”: “fiar junto”, pois fia junto quem tece novos elos (“novelo”: “novo elo”). O fio de Ariadne é puxado de uma potencialidade que se desdobra em novos elos a serem tecidos e ousados.
Enquanto o fio do Destino é “ordo”, “Ordem”, o fio de Ariadne serve para tecer tramas. A trama é feita de linhas transversais formando curvas , desvios, “clinâmens”, espirais...Toda trama borda uma linha de fuga que afirma a liberdade a despeito da malha férrea das Ordens Sinistras.
As Moiras puxavam o fio da roda, o esticavam , para enfim cortá-lo. Elas eram incapazes de bordar, pois bordar é tecitura da arte enquanto força que estende ao máximo o fio da vida, vencendo aqueles que o querem cortar.
Toda bordadura parte de uma Ordo/Ordem, porém lhe acrescenta tramas criadoras de caminhos que nos fazem transpassar as grades ( físicas ou simbólicas).
A gramática é urdidura , mas trama é a poesia; urdidura é a família, porém trama é o amor; cartilhas são urdiduras, já pensar é trama que confia em sua força libertária.
As Moiras cobriram Bispo do Rosário com lençóis que mais pareciam mortalhas , porém Bispo do Rosário desfez o fio dessas grades e com ele bordou sua linha de fuga sob a forma de manto e asas.
Apesar da “Moira Social” que o urdiu louco, Bispo do Rosário teceu sua transversal, e assim tramou sua criativa lucidez como fuga da normalidade reta dos que pensam igual.
Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)

“Não há linha reta, nem nas coisas e nem na linguagem.” (Deleuze)

“Quero descrever o voo de um pássaro
escrevendo com a pena de uma asa.” (Guimarães Rosa)


(foto: quando aberto, o “Manto” de Bispo do Rosário torna-se asas 🦋
bordadas com multicoloridos fios)












sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

SOBRE A “LIBERDADE DE EXPRESSÃO”

 

1-Um dos alicerces da democracia é o direito de expressar opinião. O fundamento desse direito é a liberdade.

Porém, esse direito, como todo direito,  possui uma forma e um conteúdo.

A forma desse direito é exatamente a sua universalidade assim expressa : “Todos têm o direito de emitir opinião e expressar sua liberdade”.

A forma é apenas o contorno desse direito, já o conteúdo é aquilo que vai ser colocado dentro desse contorno.

Nem todo conteúdo cabe nesse contorno. Alguns conteúdos, inclusive, violentam esse contorno e o rasgam, como uma serpente venenosa que eclode do ovo.

Por exemplo, xenofobia, culto a nazifascismo, homofobia , misoginia , racismo...Esses e outros assuntos semelhantes não cabem na forma da opinião democrática, pois eles ameaçam a própria regra que garante o direito democrático de opinião.

Defender nazismo e fascismo não é opinião, e sim crime , crime inclusive contra a própria liberdade.

Uma fala que prega essas coisas  não é "opinião": é ovo que choca a serpente da barbárie.

Assim, o único contorno onde devem ser colocados  esses crimes disfarçados de opinião, crimes dos quais o genocida de Brasília  é o maior infrator,  é o contorno da cela de uma prisão que, após o devido processo legal ( incluindo processos em Tribunais Internacionais que julgam crimes contra a humanidade) , nos livre desses nazifascistas o quanto antes.

2-Sempre que se pergunta ao genocida de Brasília o que ele acha do nazismo, ele dissimula, desconversa  e começa a atacar o comunismo, dizendo que os “vermelhos” são piores : “os ‘vermelhos’ são contra a Propriedade, a Família  e Deus”, diz ele.

Essas  dissimulações  , no entanto,   são típicas de nazistas ,  confessos ou não.

E o mais revelador é  ver quem ele considera “comunista”: para ele e seus cúmplices, os “comunistas” são os petistas, os psolistas, os sem-terra, as feministas, os lgbtqia+, os pró-vacina, os educadores...

Para ele, também se tornaram “comunistas”  todos os que votaram nele antes e ,após um lampejo de sanidade,  hoje não votam mais.

Para ele , “comunista” é quem  é diferente dele e de sua paranoia ; enfim,  para ele “comunistas” somos eu , você, nós.

Nos últimos 30  anos , inclusive , basta ver as barbaridades que ele prega que devem ser feitas contra os que ele chama de  “comunistas” para  não termos dúvidas que suas falas são uma espécie de versão miliciana do “Mein Kampf”...



( escrevi sobre este filme e o sugeri em 2018,  às vésperas da eleição presidencial ; perigosamente,  as ameaças nazifascistas  relatadas no filme estão  ainda mais atuais...)



terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

a semente

 

Certa vez, quando eu passava por um momento muito difícil , sonhei que seria operado do coração. Angustiado, eu pensava que não sobreviveria à operação. Não sei como fui parar ali, por quais caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma operação e eu era o paciente a ser operado.

De repente, adentra a sala de cirurgia o cirurgião. Ao vê-lo, meu medo desaparece, cheguei até a sorrir...Pois o médico que me operaria era nada mais nada menos do que o poeta Fernando Pessoa!

No princípio, achei estranho . Mas depois entendi que fazia sentido ser um poeta o cirurgião de um coração angustiado.

Sem demora, o cirurgião-poeta abriu meu peito, mas não com bisturi : não sangrou , nem houve dor. Ele enfiou uma das mãos, porém não foi suficiente. Somente as duas mãos do poeta conseguiram tirar meu coração do peito .

"Seu coração  está pesado como um paralelepípedo! Preciso extrair o que lhe pesa”, diagnosticou o cirurgião-poeta. “O que lhe pesa não é coisa física, o que lhe pesa é a mágoa com o passado, a decepção com o presente , o medo do futuro e a descrença nos homens”, disse-me ele enquanto extraía tudo isso.

Quando olhei para a mão do poeta , meu coração estava minúsculo, parecendo uma semente salva de um fruto que perecia. Indaguei : “poeta, com esse coração pequenino como vou sobreviver!?”

O cirurgião-poeta então respondeu, terminando sua arte, sua “clínica”: “Ele está assim pequeno porque  deixei apenas o coração da criança.”

Após ouvir isso despertei, e não apenas daquele sonho. Ainda deitado, olhei para a janela: já amanhecia . Queria registrar o sonho e me virei para procurar  caneta e papel. Então, algo que estava sobre meu peito caiu ao meu lado na cama, era um livro que adormeci lendo: “O Eu Profundo e os outros Eus”, de Fernando Pessoa.


"As terapias verbais me terapeutam." (Manoel de Barros)


(amigas e amigos: fui avisado de que este texto que escrevi há tempos está circulando no face e blogs sem os devidos créditos. Até onde pude perceber, esses que repassaram o texto sem os devidos créditos não são meus amigos aqui no face, não sei como o texto chegou até eles...Uma das pessoas que repostou chegou a insinuar que o texto não é meu, e sim de Manoel de Barros! É uma honra para mim ter um texto meu  atribuído ao grande poeta que tanto admiro. Mas o texto é de minha autoria , e o processo doloroso  relatado em palavras, do qual o texto é a superação, esse processo doloroso também foi vivido por mim, e é devido a essa superação clínica feita com poesia, e não por questões de vaidade intelectual, que peço  aos mal-intencionados, que são poucos felizmente,  que respeitem a autoria do  que escrevi)







Amigas e amigos: este texto que a Leila Pinheiro está tão belamente lendo no vídeo ( cujo link se encontra abaixo)  não é do querido e inspirador poeta Manoel de Barros, e sim de minha autoria. O verso de Manoel é só uma epígrafe escolhida por mim para o texto. É claro que a Leila , de quem sou fã e fico muito honrado de ver algo que escrevi sendo lido por ela, a Leila portanto nada tem a ver com o equívoco, ela já recebeu o texto com o crédito indevido. Assim, gostaria de pedir um favor às amigas e amigos que puderem: que entrem na postagem original na página da Leila  e comuniquem o fato, pois o tamanho da confusão é proporcional ao número de visualizações e compartilhamentos desse erro , do qual a Leila, repito, não é a responsável. Eu já tentei de todos os meios entrar em contato com ela e a assessoria dela, mas por mensagens e e-mails é muito difícil, talvez nem chegue a ela. Creio que alertando diretamente na postagem  dela é mais adequado. O verso citado,  "Os delírios verbais me terapeutam ", de Manoel, é parte do poema "Desejar ser", do "Livro sobre nada." Obrigado 🤝🌻🍀🌹

https://www.facebook.com/watch/?v=3235867583307910





- Há também uma versão em verso desse sonho que escrevi em 2009:


A SEMENTE

 

Um sonho tive ontem:

do coração eu era operado.

 

O tão temido médico esperado,

ao entrar, tranquilizou-me:

pois o cirurgião era o poeta Fernando Pessoa.

Sabedor do meu caso, ele me disse:

“só a poesia pode operar um coração adoecido”.

 

Após abrir meu peito,

o poeta pôs em sua mão meu coração

e o avaliou com peso excessivo.

 

Nada restava a fazer,

senão cortar o que nele era peso.

 

Ao invés de músculo ou nervo,

o poeta foi extraindo do meu coração

o mal que o sobrecarregava:

do meu coração o poeta  extraiu a descrença,

a desconfiança

e toda mágoa.

 

No fim  da operação,

o poeta tinha em sua mão

um diminuto coração que mal preenchia o meu peito.

Temendo não sobreviver com ele,

disse ao poeta que daquela operação

eu não sairia sobrevivente.

 

“Do seu velho coração, disse-me o poeta,

  extraí o que doía  e deixei a parte imortal,

  aquela da qual se renasce:

  o coração de criança como semente."


domingo, 6 de fevereiro de 2022

o presente

 

No primeiro ano da pandemia, perdi uma tia muito querida, uma segunda mãe para mim. Sei que muitas amigas e amigos passaram por uma dor assim , com perdas semelhantes.
No último 4 de maio, dia do meu aniversário, passei o dia pensando muito nessa minha tia, pois ela sempre dava um jeito de entrar em contato comigo nessa data, estivesse eu onde estivesse ( ela morava longe, nem sempre era possível uma visita).
Na noite desse mesmo 4 de maio de 2021, sonhei com essa minha querida tia. No sonho, ela me dava de presente um pequeno vaso com duas folhas de Espada de São Jorge pequenas ainda . Ela não disse nada, mas sua expressão tudo dizia...
A Espada de São Jorge representa não apenas luta contra a opressão ( tanto as opressões físicas como as simbólicas), pois sua espada também simboliza proteção. Foi com ela que São Jorge enfrentou o “Dragão da Maldade”, dizia o cineasta Glauber Rocha.
Atena, a deusa da sabedoria, também emprega uma espada assim nas lutas contra o monstro da ignorância em suas obscuras e diferentes faces. E Thêmis, a deusa da justiça, igualmente segura uma espada assim, instrumento da dignidade.
A espada de São Jorge também é lança de Ogum-Zumbi que não se curva à Casa-grande; essa espada também é o fio de Ariadne com o qual Bispo do Rosário bordou suas resistências criativas; e libertário é quem escreve tendo uma espada assim transformada em caneta, lápis, giz.
A primeira coisa que fiz quando acordei no dia seguinte foi ir a uma loja aqui do bairro que vende plantas. Encontrei num cantinho um pequeno vaso com duas folhas de Espada de São Jorge . Elas precisavam de luz, água, enfim, cuidados. Eram as Espadas de São Jorge mais parecidas com aquelas que minha tia me presenteou desde a eternidade.
Todo dia cuido dessas Espadas de São Jorge. Elas cresceram rapidamente, tanto que precisei trocar de vaso. De duas que eram , hoje se multiplicaram: já são quatro!
Com perseverança diária, precisamos regar tudo o que precisa ser regado: planta, ideia, afeto, ação, liberdade. Para que em tudo isso encontremos uma espada que nos proteja dos “dragões da maldade”...


(imagem: “São Jorge”/ de Kandinsky)






sábado, 5 de fevereiro de 2022

o oceano de Espinosa

 

As águas que banham aqui a minha praia já banharam outras infinitas praias  de que é feito o oceano.

Não preciso ir a todas as praias para conhecê-las , basta que eu , ao banhar-me em minha praia, saiba que a água que passa por ela já passou por outras praias desse vasto e multivariado oceano.

Os líquidos tomam a forma dos recipientes nos quais são amoldados. Mas o oceano , em cada centímetro seu, é fonte que jorra de si mesmo , fluxo inaprisionável.

Decerto que o oceano tem profundidades. Mas o que mais dá a pensar no oceano é ele ser horizonte aberto em todos os seus lados - onde a lua e  o sol de ontem morrem , onde a lua e o sol de hoje nascem .

O mesmo oceano viaja a todas as infinitas praias suas  movendo-se na imanência de si mesmo, pois  nenhuma cerca pode separar ele dele próprio. 

Esse oceano não é feito apenas de água, ele também é feito de terra, ar,  ideias, pensamentos, afetos e infinitas outras coisas que a cada vez suas águas me trazem trazendo elas próprias,  renovando a si mesmas.