segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

deleuze & manoel: os ritmos...


No meio da noite, sozinha em seu quarto, a criança expulsa o medo cantando (DELEUZE e GUATTARI, 1980, p. 382).O canto é territorializante:ele cria um território  no qual a criança, não obstante a noite, tanto a exterior quanto a interior, apesar desta noite a criança acha/inventa onde habitar. O canto cria uma consistência, ele produz  um território existencial. Este não se confunde com um espaço meramente físico, assim como não é meramente físico o pantanal de que fala Manoel de Barros : “O que eu gostaria de dizer é que o chão do Pantanal, o meu chão, fui encontrar também em Nova York, em Paris, na Itália,etc” ( 1992, p. 328).Cantando, a criança pode até se mover, ela pode até mesmo saltar, embora já seja um salto, um salto para fora do caos, o próprio canto que ela entoa: “ela salta do caos a um início de ordem no caos”  (DELEUZE E GUATTARI, 1980, p 382). O poeta enfrentou questão semelhante: “São 30, são 50 cadernos de caos. Preciso administrar esse caos. Preciso de imprimir vontade estética sobre esse material.(...).Tenho que domar a matéria”(1992, p. 334). Para a criança que canta , não importa a letra completa, importa apenas o estribilho, a repetição que  o estribilho é. A criança inventa um  território, ela entra em um ritornelo  (DELEUZE E GUATTARI, 1980, p. 381). Dois elementos constituem um ritornelo: a repetição e a diferença. Por isso, todo ritornelo é prática de invenção de um estilo: “Repetir repetir - até ficar diferente./Repetir é um dom do estilo”(1997b,p11). O ritornelo é afirmação de um ritmo, tal como o que inventa o próprio poeta ( 1992, p313).

O território não é um espaço físico, tampouco meramente psíquico; ele não é apenas externo ou interno. São os ritmos que nos mostram isso: os ritmos não pertencem exclusivamente ao externo ou ao interno, eles habitam um entre-dois (DELEUZE E GUATTARI, 1980, p. 385). Os ritmos são entidades de limiares, de travessias. O canto do passarinho, por exemplo, não pode ser reportado apenas a elementos endógenos ao organismo ou a elemento exógenos, como agressividade contra um rival, marcação de território, etc. Decerto que estes fatores existem.Todavia, enquanto ritmo, o canto é territorializante : ele inventa territórios. E é por isso que os passarinhos produzem seus territórios no próprio canto, e este pode trazer um componente de desterritorialização que faz cessar o canto para iniciar o voo, o "bater de asas".O canto é territorializante porque ele é produção de ritmo.O mundo interno e o externo podem ser codificados. Mas os ritmos obedecem a fenômenos de transcodificação ou transducção.A mosca, por exemplo, possui seu código; a aranha, por sua vez, também possui o seu. Contudo, quando a aranha produz sua teia, esta permanece invisível à mosca. Isto porque a aranha , antes de capturar a mosca, capturou seu código, o transduccionou, de tal modo que a aranha inventa uma mosca que é um ritmo-mosca  (DELEUZE E GUATTARI, 1980, p. 386). Não é a “mosca indivíduo” ou a “mosca espécie” a mosca que a aranha inventa: é a singularidade-mosca, a diferença-mosca - o que os medievais chamavam de hecceidade.Outro exemplo: a orquídea fabrica em suas pétalas o órgão genital de uma vespa . Ela o faz porque apreende o ritmo-vespa, a expressão-vespa, o acontecimento-vespa. A orquídea inventa um devir-vespa, ela o faz, diria o poeta, por “imitagem”. O ritmo passa entre os gêneros e as espécies, que são códigos ou formas; é por isso que o ritmo não é uma mera forma ou o informal, ele é um deslimite.Ao encontrar o seu ritmo, a sua expressão, o artista atinge um ponto onde se produz um "delírio ôntico"  (2004), pois “poema é o lugar onde a gente pode afirmar que o delírio é uma sensatez”,  (1998 p. 81).Os “delírios ônticos” são como “os impossíveis verossímeis de nosso mestre Aristóteles”( 2010d, p.7).Este ponto , esta metamorfose, não é sentimento ou objetividade, pois passa entre os dois, e entre os dois inventa um sentido que renova a ambos: “desabre outra pessoa” (2007,p. 39), inventa-se outro  mundo. São os passarinhos, com seus cantos, os autênticos produtores de ritmos.



(flautista Antônio Rocha)









( poema de Décio Pignatari)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

territórios poéticos e poética da multiplicidade em Curitiba

data da defesa 07/03/2016 às 14:00H

banca dos titulares

Doutorando: MARCOS AURELIO MARQUES

TERRITÓRIOS POÉTICOS E POÉTICA DA MULTIPLICIDADE EM AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA

Titulares

Prof. Dr. Claudio Benito Ferraz - UFGD -

Prof. Dr. Elton Luiz Leite de Souza - UNIRIO -

Prof. Dr. Caetano Waldrigues Galindo – UFPR – 

Prof.ª Drª Salete Kozel – PPGEOG – UFPR -

Prof. Dr. Sylvio Fausto Gil Filho – PPGEOG – UFPR (orientador)

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Prof. Dr. Sylvio Fausto Gil Filho
Associate Professor, Department of Geography
faustogil.ggf.br
Federal University of Paraná - Curitiba - Paraná - Brazil
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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

o carnaval

Só podemos destruir
sendo criadores.
Nietzsche

Em toda  passagem de ano comemoramos um ano novo. Um ano velho se vai, um ano novo vem. Mas o ano novo não é um começo radical a partir do  zero: ele é a continuidade de um mesmo tempo. É por isso que o ano novo é contado, recebe um número. O nosso, por exemplo, é 2016.  É um ano novo de um mesmo tempo que progride e é numerado, então, com um ano a mais. O ano novo é um novo ano de um mesmo tempo, e não um tempo novo.
Entre os gregos antigos, o tempo era vivido de outra forma, uma forma mais drástica, mais radical. O tempo não era concebido de maneira linear. O tempo linear é o da linha que progride do menos para o mais, numericamente. O tempo linear começou  com a condição de um dia ter termo  ou fim. No nosso calendário linear, por exemplo, estamos no ano 2016. Este ano foi precedido pelo 2015 e será sucedido pelo 2017.A lógica que preside essa contagem numérica do tempo é incompatível com a ideia de que essa contagem seja infinita, dado que o infinito, exatamente por sê-lo, não pode ser contado ou numerado. Assim, a razão de contarmos o tempo deve-se ao fato de que o tempo, um dia, terá fim. A causa que explica o seu fim está no seu próprio começo: o ano zero. O tempo começou e terminará em razão de um motivo não temporal, metafísico, transcendente. Cabe a pergunta, pergunta de criança: qual será o último ano novo antes do fim dos tempos? Que número ele terá? O progresso no tempo linear é, paradoxalmente, a aproximação de um fim.
Os gregos antigos concebiam o tempo como repetição cíclica. O tempo é uma repetição, e não uma progressão numérica. Dois eventos determinam o ciclo do tempo: o nascimento e a morte, a criação e a destruição. O tempo nasce, cresce e morre, como tudo o que é vivo. Porém, o tempo renasce, vencendo sua própria morte. Mas o tempo que nasce é um tempo novo, que nada tem a ver com o que morreu. O tempo novo também não é o desenvolvimento de um tempo antigo. Por isso não se pode dizer que é o ano novo de um mesmo tempo, pois é um tempo novo que nenhuma data ou número pode determinar. O tempo novo não é precedido de um passado, tampouco é ele o herdeiro de costumes antigos. O tempo novo não é precedido de um tempo antigo; muito menos será ele o tempo antigo de outro tempo novo. Ele é tempo novo, renascido outro. É no tempo novo, e não no tempo morrido, que o tempo mostra sua verdadeira face: pois todo tempo é novo, assim como é todo dia, todo instante, desde que os vinculemos ao tempo que nasce, e não ao habitual relógio ou ao convencional calendário.
Para os gregos antigos, não é o ano que é novo, não é o dia, não são as horas; é o tempo que é novo, e esse tempo novo não o podem medir os anos,os dias, as horas ou qualquer outra medida determinada. Quantos tempos novos já existiram? Impossível numerar, pois tudo o que é singular foge aos números e quantidades.Infinitas vezes já houve um tempo novo. Apesar disso, sempre haverá tempo novo. O tempo novo é uma repetição da novidade, pois é da essência da novidade repetir-se diferente. Não é o tempo antigo que causa o tempo novo: este nasce tendo por causa ele mesmo. É para  criar-se novo que ele se destrói como antigo.Repetindo-se, o tempo  sempre retorna, diferente. O tempo não é eterno: eterna é a repetição através da qual o tempo retorna, novo.Do tempo novo não pode haver lembrança, embora ele traga consigo a semente de uma nova memória, na qual se poderá escrever uma nova história.
Foi essa concepção de tempo que traduzia a experiência de Orfeu, o poeta que foi ao inferno e voltou, que foi à morte e retornou . Também é essa concepção do tempo que inspira o deus Dioniso, que é o deus dos renascimentos. E é este deus que, outrora, era cultuado no carnaval. Esta festa nasceu como celebração desse tempo novo. O carnaval era a festa onde a morte e a vida se encontravam, sem brigar ou entrarem em guerra. Esse encontro era celebrado com festa, com alegria. O tempo que morria era celebrado, não era chorado; e o que nascia também era comemorado. Morria a terra, renascia a terra; morriam os homens, renasciam os homens.E o que renascia não era o morto que ressurgia, mas  a vida mesma mais viva.
Posteriormente, essa festa foi apropriada pelo Estado grego e pelos mecenas das artes, sobretudo o teatro. Também os comerciantes de bebidas se aproveitaram dessa festa. O que era experiência e ruptura, tornou-se rito. Foi a partir de então que a destruição se perdeu da criação, de tal modo que o antigo se perpetuava fingindo-se novo. A festa não era mais a expressão do tempo novo, mas tão somente a suspensão temporária de um mesmo tempo. A experiência radical com a novidade se transformou em data no calendário das festas costumeiras e  programadas. E Orfeu se tornou apenas uma máscara que se põe durante quatro dias; e Dioniso, do vinho que era, passou a deus da cerveja...








domingo, 7 de fevereiro de 2016

espinosa: firmeza e generosidade


                               
A palavra “fortaleza” nos faz imaginar algo cercado por muros espessos e elevados :no alto dos muros sentinelas montam guarda contra invasores e inimigos. Em tais fortalezas os homens guardam tesouros ou bens que querem proteger de usurpadores.
Ao falar das virtudes, Espinosa enfatiza uma delas em especial: a fortaleza (fortitudo).Mas a fortaleza em Espinosa não se constitui de muros ou cercas.Ao contrário, ela possibilita caminhos, agenciamentos."Fortaleza" procede de "força". Alguns tradutores traduzem "fortitudo" como  "força de ânimo". O ânimo é mais do que a mera "disposição" para fazer isto ou aquilo.Às vezes, é preciso muito ânimo para resistir a um fazer que nos aliena. O ânimo é o princípio da vida. A força implicada pela fortaleza é a força da vida. A força da vida não se expressa apenas em termos de músculo ou movimento no espaço. Não é força para fazer isto ou aquilo, mas força para ser.O homem mais forte é aquele que mais existe. O contrário do ânimo não é a morte ou a doença, mas o des-ânimo.O oposto da vida não é a morte, e sim a vida enfraquecida em seu ânimo.Existir, para Espinosa, é agir.  A mente  age quando conhece, quando pensa, quando deseja. O corpo também age quando olha, quando ouve, quando silencia sua boca e mesmo quando fica imóvel.Uma mente agitada por pensamentos e sentimentos não é uma mente que age, ela é uma mente que sofre. O corpo do viciado em busca do objeto do seu vício se move muito, porém não age, padece.
          A força do ânimo se chama virtude.Em latim, "vis". Em Espinosa, a virtude não pertence ao campo moral, ela compõe a ética. A virtude constitui a fortaleza de cada ente que existe, e não apenas o homem. Na sabedoria oriental, por exemplo, considera-se a flor de lótus o exemplo de fortaleza: a despeito da lama que a rodeia, ela não des-anima. Ela não tem muros a rodeando, porém a lama não a toca.  Não obstante as circunstâncias, a flor ensina, com sua existência e não com meras palavras, a como perseverar na beleza ( no japão antigo, o candidato a guerreiro deveria passar por uma prova, que não era teórica ou mero teste de conhecimentos:ele deveria entrar na lama, perder vaidades e pretensões, ficar nela por horas ou mesmo dias, e dela somente sairia se aprendesse a lição da flor de lótus...).
(cena do filme A saga do judô, de Kurosawa:  o aprendiz de guerreiro , na lama, aprende a lição da flor de lótus)

As virtudes se distinguem das paixões. Estas nascem quando a alma padece.Este padecer pode gerar ódio ou amor, tristeza ou alegria.O padecer gera ódio e tristeza quando imaginamos que algo de exterior nos nega, ou mesmo algo de interior, quando o que nos nega somos nós mesmos.Quando imaginamos que algo nos nega, nasce uma tristeza em nossa alma.Há vários modos de imaginar que algo nos nega:podemos imaginar que ele não reconhece nossas qualidades, ou que as inveja, ou que as quer roubar,ou que as tenta diminuir, zombar, ridicularizar, difamar...Imaginamos que a única maneira que temos de nos proteger de tal destruição que nos ameaça é odiando aquilo que imaginamos nos odiar, é destruindo aquilo que imaginamos querer nos destruir.Ao ódio recebido ou imaginado, devolvemos com ódio efetivo. Pois quando devolvemos o ódio não o fazemos apenas imaginando:o   devolvemos falando mal do outro, pensando mal do outro ou mesmo lhe fazendo mal, direta ou indiretamente.Assim, mesmo que aquele que imaginamos  nos odiar não nos odeie de verdade, reagiremos como se assim o fosse. E o objeto de nosso ódio também poderá nos odiar, e agora de verdade, e não apenas em nossa imaginação.Ou seja, um ódio nascido da imaginação se torna um ódio de verdade, sem que se possa discernir um do outro. Pois quando o ódio nasce da imaginação ele já é uma verdade para aquele que assim imagina e sofre.
A imaginação se caracteriza por tornar presente o que é ausente.Toda imagem que ocupa presentemente a alma depende da imaginação.Quando nos lembramos de algo que aconteceu o fazemos tornando presente à nossa mente uma imagem, e esta imagem presente é mais imaginação do que memória. Mas também quando imaginamos que alguém nos ama ou odeia, assim o fazemos tornando presente uma imagem em nossa mente: a imagem do amor ou do ódio acompanhando a ideia, ainda que confusa, de  determinada pessoa ou coisa. Quando um boxeador golpeia seu adversário ele não o faz movido por ódio, pois dentro dele não é o ódio que acompanha a  ideia do adversário que ele golpeia. Ao contrário, o que determina sua mente, e a torna confiante do que faz, é o afeto do amor acompanhando a ideia do boxe. Ele bate movido por amor ao boxe, e não por ódio ao adversário. É por isso que o boxe é um esporte ou arte,  não uma briga.Assim deveria ser toda crítica que endereçamos a alguém.
Mas o padecer também pode ser de alegria. Padecemos da alegria quando imaginamos que algo de externo nos ama. Imaginamos que ele nos quer bem, que fala bem de nós, que nos valoriza, que quer nossa amizade, que reconhece nossas qualidades, enfim.Ao imaginarmos que alguém ou algo nos ama, sentimos alegria.E dessa alegria sentida reagimos devolvendo amor. Porém, se imaginarmos que aquele a quem damos amor rejeita esse amor que damos, podemos nos sentir diminuídos, negados, e assim novamente nasce o ódio, ódio este nascido do amor.Este ódio será tão grande quanto era o amor ofertado.
Assim , diz Espinosa, embora seja melhor amar do que odiar, esperar ser amado em troca do amor que damos pode gerar o sentimento contrário do ódio.Tais são as armadilhas do padecer, do reagir.
As virtudes não são um padecer, elas são um agir. Elas não são paixões, elas são ações.Toda virtude é um agir.Padecemos quando aquilo que fazemos se explica mais por outra coisa do que por nós mesmos. Um exemplo: quando está bêbado um homem diz e faz coisas que se explicam mais pela bebida do que por ele mesmo. Passado o efeito de tal padecer, o homem poderá se arrepender do que disse ou fez naquele estado.O que vale para o estado de embriaguez vale para todos os padeceres de que sofremos.Muitos imaginam que somente conseguem fazer coisas sob o efeito da bebida, ou seja, imaginam que ser livre é fazer coisas que depois poderão se arrepender.O agir acontece quando aquilo que fazemos se explica mais por nós mesmos do que por outra coisa.Não que a ação nasça apenas de nós mesmos, de nossa vontade ou ego. Algo que fazemos se explica por nós quando nos tornamos capazes de fazer uma ideia adequada de nós mesmos, daquilo que desejamos.
A fortaleza é uma virtude.As paixões têm contrários: o ódio é o contrário do amor, a tristeza é o contrário da alegria, e na vida podemos passar de um afeto contrário a outro, e isto em relação a um mesmo ser :aquele que antes amávamos, hoje odiamos; e aquele que antes odiávamos, hoje amamos. Esse vai e vem da alma de um afeto ao seu contrário chama-se exatamente flutuação ou volubilidade. Mas das virtudes ou ações não há contrário: a não ação não existe.Por exemplo, o mero não beber não cura o viciado do seu padecer pela  bebida.O que é a alegria? A experiência de que nosso poder de agir aumenta. O que é a tristeza? A experiência de que nosso poder de agir diminui.Desse modo, por detrás de tudo está o nosso poder de agir. Nas paixões, ele flutua ao sabor dos encontros que fazemos, e assim nos torna inconstantes.Conquistamos a virtude quando nos assenhoramos não das coisas, mas do nosso poder de agir.E o primeiro poder de agir que devemos nos apoderar para sermos livres é o poder de pensar: o pensar tem como potência ou virtude o compreender. Quanto mais a mente compreende, menos ela padece. E dessa compreensão nasce uma alegria que não é um padecer , mas um agir, alegria esta da qual somos causa: somos causa para nós e para os outros, na medida em que agiremos para auxiliar os outros para conquistarem sua alegria própria, e não invejar a nossa.
A fortaleza é uma virtude ético-clínica.Ela fortalece a alma . É ligando-se à saúde que a alma se fortalece, e não lutando contra a doença.A maior doença é o ódio, não tanto o que se imagina receber quanto aquele que de fato se dá.
A fortaleza possui duas metades: firmeza e generosidade.A firmeza é a fortaleza para conosco. Ser firme consigo não é odiar-se como se fôssemos uma criança irresponsável. Ser firme consigo não é ser para si um sargento ou general, como se fôssemos também um soldado.Ser firme consigo não é odiar-se. Quando busca o sol, a planta é firme consigo. O passarinho somente voa e vence o medo de largar o ninho quando é firme consigo. O viciado somente se liberta do vício quando é firme consigo. Somos nós mesmos que temos que ser firmes conosco, não um carrasco, não um pastor, não um general, e jamais seremos firmes conosco sendo para nós mesmos um pastor, um carrasco ou um general. Ser firme consigo nasce da liberdade para consigo. Ser firme não é ser rígido. Ser firme não é impor-se mandamentos ou cartilhas.Ser firme é vencer em si a flutuação que vai do amor ao ódio, e do ódio ao amor.
A generosidade é a fortaleza compreendida a partir da nossa relação com os outros. A firmeza é a fortaleza relacionada a nós mesmos, a generosidade é a fortaleza referida aos outros.Ser generoso não significa diminuir-se diante dos outros, tampouco aumentar os outros.
As palavras “generoso”, “gerar” e gênese têm uma origem comum. Todas têm relação com a palavra “nascer”.O generoso é aquele que faz nascer algo, o faz nascer por uma partilha, por fazer participar o outro de algo. O generoso faz nascer algo comum entre ele e o outro, mesmo que esse algo comum seja a capacidade de errar ou acertar. Ele também se esforça para fazer nascer no outro a capacidade da compreensão, para que assim ambos a partilhem.Assim, o generoso não é exatamente quem dá dinheiro, ou que oferta algo na esperança de receber recompensas em troca. Partilhar não é exatamente emprestar ou dar. Pois ele não dá o que é exclusivamente dele, e é por isso que aquele que partilha também recebe, e é grato àquele que lhe permite ser generoso. Quando o juiz julga a partir da lei, e não segundo o ódio, ele partilha a justiça com o réu, e é generoso com este.Ele destrói no réu apenas aquilo que o diminui. A justiça não é posse exclusiva do juiz . A justiça não é posse, mas partilha.E toda partilha pressupõe um encontro, uma relação.A amizade não é posse de Pedro ou Paulo, mas aquilo que faz nascer Pedro e Paulo como amigos.A generosidade não é um perder ou um ganhar, mas um ser, um agir, um causar.

Segundo Espinosa, a fortaleza se torna mais forte quanto mais compreendemos , quanto mais a mente se torna virtuosa. E não há mente virtuosa sem corpo virtuoso. Todavia, mesmo que não possamos tornar isso efetivo pela força exclusiva da mente, devemos usar ao menos a memória, como faz o aprendiz,  para assim não nos esquecermos do que preconiza a fortaleza: firmeza para consigo, generosidade para com os outros, e não rigidez para com os outros e benevolência para consigo.