quarta-feira, 16 de março de 2022

o lápis do poeta

 

Manoel de Barros só escrevia à mão sua poesia, e sempre a lápis. Nunca lapiseira de plástico, sempre lápis de madeira.

Curiosamente, “digitar” é um ato que faz parte da atividade de “bater”, “golpear”. Quem digita, bate com os dedos nas teclas. Já escrever à mão expressa outro tipo de movimento: desenhar.

Quem escreve agencia sua mão com o corpo do lápis, e por intermédio deste é nosso corpo que também escreve, com seus nervos e fibras, incluindo as do coração. Quem escreve à mão desenha, parecendo às vezes que o lápis também dança na ponta de seu grafite, como a bailarina equilibrada na ponta dos pés.

Para que na palavra também se expresse a vida, mais adequado é o lápis do que a caneta: a tinta que sai desta é coisa química, mas o grafite que o lápis liberta veio da imanência da terra, é vida.

O cérebro não funciona da mesma maneira quando se digita e quando se escreve à mão, quando se bate e quando se desenha, quando se golpeia e quando se dança. Há certa violência em bater-digitar. Talvez essa seja uma das razões que explique porque os fascistas gostam tanto de violentar também as teclas e, por intermédio destas, as ideias, encontrando no meio digital um ampliador de suas violências físicas e simbólicas.

 Além disso, sem que saibamos, há o risco de tudo o que digitarmos nas redes sociais o capital cibernético reduzir a algoritmos , para assim nos oferecer como mercadoria aos novos mercadores de gente, sempre ávidos por inescrupulosos lucros.

Na madeira do lápis do poeta ainda vive e resiste a árvore que um dia fez parte do Pantanal que os criminosos hoje incendeiam , para tudo reduzir a pasto de gado obediente .

Por intermédio do lápis do poeta continuam a falar as árvores, as florestas, os bichos, as plantas, os pássaros , as paisagens, os verdes e seus infinitos tons, o azul e seus horizontes... Enfim, fala tudo aquilo que os destruidores da vida querem calar e matar.

Nada contra o digitar, porém escrever à mão, a lápis, é ato mais afim ao poema que , como gente, também nasce: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, escreve o poeta.

 

( imagem: Manoel , seu Pantanal e montagem com lápis. O verso gravado no lápis e o desenho são do próprio poeta)






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