Segundo o filósofo Pierre Hadot, há dois mitos
originários que explicam a relação do homem com a natureza.
O primeiro deles é o Mito de
Prometeu. Por intermédio de Prometeu, o homem recebeu o fogo. O fogo tem o
poder de derreter, fundir, amalgamar, dilatar,
enfim, transformar a natureza conforme os interesses do homem. O fogo simboliza
a técnica.
Esse fogo prometeico subjuga a
natureza , porém não a penetra. Pois o fogo transforma a natureza em coisa, em
objeto: metal, carro, avião, moeda, revólveres, mísseis...Enfim, realidades
técnicas com as quais a ganância e a ignorância do homem às vezes se armam para
predar a própria natureza, incluindo a natureza humana.
O outro mito é o de Orfeu, o poeta. A
poesia também é chama. Mas a chama da poesia tem luz e calor diferentes do fogo
prometeico, pois a luz da poesia
ilumina , antes de tudo, as realidades internas.
No canto de Orfeu também há luz, uma
luz que faz brotar e aflorar, pois é uma
luz que desvela.
Só o poeta penetra a natureza sem
violentá-la, somente com a arte se consegue traduzir os segredos dela. É cantando,
musicando, pintando, poemando, enfim, criando, que a natureza nos ensina os múltiplos e heterogêneos sentidos dela.
O fogo prometeico, às vezes a torturando
, força a natureza a falar somente
aquilo que a surdez existencial do homem consegue alcançar , já a poesia põe-se amorosamente à escuta da
natureza, e é ouvindo essa voz infinita e variada que o artista aprende a ter o
que falar, criando.
“A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a
seja.” (Manoel de Barros)
"Deveríamos respeitar mais o pudor com que a Natureza
se esconde por trás de enigmas e de incertezas brilhantes."
(Nietzsche)
"A natureza ama ocultar-se." (Heráclito)
( obs: as duas últimas epígrafes estão no livro de Hadot)
(na imagem, a poesia pintada de Van Gogh: “Relva e árvores”)
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