sábado, 26 de março de 2022

Prometeu e Orfeu

 

Segundo o filósofo  Pierre Hadot, há dois mitos originários que explicam a relação do homem com a natureza.

O primeiro deles é o Mito de Prometeu. Por intermédio de Prometeu, o homem recebeu o fogo. O fogo tem o poder de derreter, fundir,  amalgamar, dilatar, enfim, transformar a natureza conforme os interesses do homem. O fogo simboliza a técnica.

Esse fogo prometeico subjuga a natureza , porém não a penetra. Pois o fogo transforma a natureza em coisa, em objeto: metal, carro, avião, moeda, revólveres, mísseis...Enfim, realidades técnicas com as quais a ganância e a ignorância do homem às vezes se armam para predar a própria natureza, incluindo a natureza humana.

O outro mito é o de Orfeu, o poeta. A poesia também é chama. Mas a chama da poesia tem luz e calor diferentes do fogo prometeico, pois a luz da poesia   ilumina , antes de tudo, as realidades internas.

No canto de Orfeu também há luz, uma luz que faz brotar e aflorar, pois é  uma luz que desvela.

Só o poeta penetra a natureza sem violentá-la, somente com a arte se consegue  traduzir os segredos dela. É cantando, musicando, pintando, poemando, enfim, criando,  que a natureza nos ensina  os múltiplos e heterogêneos  sentidos dela.

O fogo prometeico, às vezes a torturando ,   força a natureza a    falar somente aquilo que a surdez existencial do homem consegue alcançar ,  já a poesia põe-se amorosamente à escuta da natureza, e é ouvindo essa voz infinita e variada que o artista aprende a ter o que falar, criando.

 

“A palavra abriu o roupão para mim:

 ela quer que eu a seja.” (Manoel de Barros)


"Deveríamos  respeitar mais  o pudor com que a Natureza

se esconde por trás de enigmas e de incertezas brilhantes."

(Nietzsche)


"A natureza ama ocultar-se." (Heráclito)


 ( obs: as duas últimas epígrafes estão no livro de Hadot)

 

(na imagem, a poesia pintada de Van Gogh: “Relva e árvores”)












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