quarta-feira, 30 de março de 2022

o filósofo, o vento e a luz

 

Como se sabe, a palavra “filósofo” tem por raiz o termo “philo”. Essa palavra vem de “philein”: “amar”. É por isso que se diz: filósofo é quem ama a sabedoria ( Sofia).

Mas não se deve compreender philein como um sentimento subjetivo-romântico. Era comum os filósofos pré-socráticos afirmarem : “o vento ama soprar”, “a luz ama iluminar”...Esses exemplos mostram que a ação de amar é um acontecimento que decorre da própria natureza do vento e da luz. “Philein” é amar nesse sentido.

Esse acontecimento da luz amar iluminar e do vento amar soprar não expressam uma escolha, e sim uma necessidade. É essa necessidade que também nos faz compreender que nunca o soprar do vento e o iluminar da luz  poderiam nascer de um odiar. Quem faz o que faz por necessidade sempre o faz amando.

E é assim que o filósofo deve amar o pensar: por necessidade. Não se deve confundir necessidade com obrigação. O vento não é obrigado a soprar, nem a luz a iluminar: eles o fazem por necessidade, uma necessidade idêntica à liberdade. Pois a autêntica liberdade não está em escolher entre isso ou aquilo, mas em realizar algo por necessidade, amando. É soprando que o vento se afirma vento, é iluminando que a luz se afirma luz.

Enfim, é  soprando que o vento é livre, é iluminando que a luz é livre. E é  da mesma maneira que deve ser livre o filósofo : vivendo o pensar com a mesma necessidade que o vento vive o soprar e a luz  o iluminar. 

Não é o filósofo que projeta antropomorficamente no vento e na luz esse amar; ao contrário, é a natureza que ensina ao filósofo como ele deve amar o pensar: por necessidade, fazendo do pensar também  Pneuma ( "Sopro") e Luz.

 

( esse texto é um comentário à análise que Hadot faz do dizer de Heráclito: “ A natureza ama [philein] ocultar-se.")


 

 


Um comentário:

cauepizindim disse...

Também existe amor no erotismo. Muito focado na percepção sensorial e numa estética ilusória; porque sob dominação do ego. É um amor, sim; regulado por apetites.

Tem amor na vida, como nas abelhas, por exemplo; serve e é servido em uma interação entre seres e necessidades várias. Atende parcialmente às necessidades que demandamos em nossa integralidade.

Tem amor truísta que se prova pela experiência de amar. É vivê-lo e sabê-lo. Recebemos e expandimos, numa potencialização universal.

Nenhum amor é, por si mesmo, bastante. Há complementaridade no amor. Há amor e o objeto desse amor, seja físico ou não. Seja você ou o que você sequer vê como você também, na relação de afeto e sentimento. Nenhum amor é reconhecido se não fala primeiro ao próprio ser.