O filósofo Pierre Hadot ensina
que a ideia de “conversão” tem uma origem filosófica. A palavra “conversão”
significa “voltar-se para” ou “religar”.
Enquanto conversão, a
filosofia não é só um discurso, ela é antes de tudo uma prática: uma prática de construção de uma
vida filosófica.
Em Plotino, por exemplo,
a conversão filosófica acontecia quando a alma se voltava novamente para o Uno,
espécie de “Útero Cósmico” do qual tudo proveio.
Segundo Plotino, a alma
sai do Uno descendo . E quanto mais ela desce, mais ela vai se afastando do Uno
e se vestindo com vestes que, camada sobre camada, tornam a alma pesada com o
peso do supérfluo:ideias supérfluas,
sentimentos supérfluos, palavras supérfluas, projetos de vida supérfluos ,
enfim, um existir supérfluo é o preço que a alma paga quando vai para longe do Uno. Pois esse ir para longe do
Uno não é um avançar ou progredir, e sim um perder-se.
A conversão plotiniana se
inicia quando a alma sente o peso dos valores e opiniões que tão ferreamente
carregava, imaginando que isso era liberdade, quando na verdade é o fardo e peso
de grilhões.
Voltar-se para o Uno não
é prática meramente teórica. Esse retorno não é um progredir no acúmulo de
conhecimento, e sim um salto, uma metamorfose, o clarão de um relâmpago no seio
da noite espessa.
Então, a alma compreende
que as vestes que a cobrem são armaduras, carapaças, máscaras que lhe escondem
a face nua. Pois é nua, recuperando sua “verdez inaugural”, como diz o poeta
Manoel de Barros, que a alma consegue , estando nua, não se sentir com frio ou
desprotegida, mas plena .
É nua que a alma volta à
fonte , como um raio de sol que pudesse retornar ao sol e ser , pelo próprio sol
, intensificado e iluminado, por fora e por dentro. A conversão
é o raio de sol sabendo-se sol.
A conversão filosófica é
sempre um voltar-se para a vida, religando-se a ela. Por isso, o acontecimento
que mais expressa a conversão filosófica é o nascimento. A autêntica conversão
filosófica nunca é um cultuar a morte em
seus vários sentidos , e sim reencontrar , produzir e afirmar os inauguramentos,
as natências, a não velhez, enfim, refazer-se embrião do qual possa nascer
realidade nova.
Assim compreendido, filosofar não é , como dizia Platão, “aprender a morrer”; filosofar é voltar-se para o nascer enquanto (re)começo de todo viver que se afirma e persevera.
“Só escrevo meus nascimentos.” (Manoel de Barros)
“Hoje se toma por sonhador aquele que vive o que ensina .”
( Hadot)
“A filosofia transformada em livros deixou de instigar os homens. O
que nela existe de insólito, de quase insuportável, se escondeu na
vida decente dos sistemas.”( Merleau-Ponty)
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