A palavra “estoico” vem de “stöa”:
“porta” ou “portal”. Isso porque os estoicos escolhiam abrir suas escolas de
filosofia bem no portal das cidades, perto de sua abertura.
Àquela época, as cidades eram
muradas. No centro delas ficavam a praça e o mercado. Platão , fundador da
Academia, e Aristóteles, criador do Liceu, estabeleceram suas escolas
próximo ao mercado e guardadas por
muros.
Mas os estoicos preferiam dizer que
sua filosofia estava a serviço daquilo que não podia ser cercado e murado. Os
estoicos queriam ir além não só dos
muros físicos, mas sobretudo dos muros que cercam a alma e a põem prisioneira
de si mesma.
A razão em Aristóteles é
identificada ao homem . Mas os estoicos
diziam que o pensar é abertura à Terra, aquela que nenhum muro , nem os muros
da falocrática razão, separa do cosmos, esse horizonte infinito.
Em vez de glorificar o “Homem”, os
estoicos introduzem uma nova ideia: a “humanitá”, palavra feminina. A humanitá
não pertence a uma pólis isolada, a humanitá habita a Terra.
Falar no “Homem” como ideia universal
é escamotear os seres diferentes dos homens, seres esses que o homem reprime e
explora, colocando-se como “Modelo” e “Padrão”. Por isso, a humanitá não é um Modelo ou Padrão.
O Homem é definido por Aristóteles como “Animal
Racional”, embora tanta irracionalidade vemos na conduta do Homem, na guerra
contra outros homens e na predação da natureza. A humanitá não é o “Homem”, ela
é comunidade planetária vital.
A humanitá não é uma ideia abstrata ,
pois ela é também uma prática ética e política de defender a humanidade em nós,
protegendo-nos dos homens que querem
destruí-la. A humanidade não é um “Padrão”, ele é uma comunidade aberta e
heterogênea.
O Homem tem um rosto: o do homem hétero, branco, proprietário, conservador . Esse
rosto muitas vezes se coloca atrás da
religião para esconder sua desumanidade contra as mulheres, contra os que não
têm a cor de sua pele , contra os que vivem outras formas de amor, contra os explorados pelo Capital, enfim, contra os
que são e pensam diferente.
Mas qual o rosto da humanidade? Em
quem podemos ver sua face? O rosto da humanidade somente se expressa em quem se
faz singularidade. Singularidade não é a mesma coisa que indivíduo. Uma
singularidade é sempre parte de uma multiplicidade. E nenhuma multiplicidade
pode ser contida pelos muros excludentes de um Padrão.
Toda singularidade se torna mais potente
quanto mais sua diferença se amplia em
múltiplas e variadas conexões e agenciamentos. Singularidade não é apenas
razão, singularidade também é desejo,
criatividade, sensibilidade, corpo e
ação.
Sobretudo, singularidade não é o eu
ou o ego, ela é o que em nós se coloca à porta de nós mesmos, abertos à
natureza, ao mundo, ao outro, à diferença, no seio aberto da Terra.
A “humanitá” estoico-latina corresponde à “paideia” grega, ambas expressando a prática
de uma educação não apenas teórica, mas libertária.
( imagem: “Árvore da vida”/ Klimt)
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