1- Segundo o poeta-filósofo Lucrécio,
os átomos são sementes. Lucrécio não faz aqui uma metáfora, pois os átomos são,
de fato, sementes. Essa é a grande diferença entre o atomismo antigo ( do qual
Epicuro e Lucrécio são os maiores nomes)
e o atomismo moderno mecanicista, que imagina os átomos como pequenas pedras inertes,
mecânicas. A pedra é inerte, porém a semente é vida. Mas por que Lucrécio afirma
isso?
Da semente do abacate nasce um
abacate, nunca uma maçã; da semente da
maçã nasce uma maçã, jamais um abacate. Tudo o que existe veio de
uma semente: há sementes das quais brotaram mares, nuvens, plantas, animais e
até mesmo as pedras vieram de sementes.
Mas da semente da qual brotaram nuvens
não brotam pedras; da semente da qual brotaram flores não nascem feras.
Com isso, Lucrécio quer afirmar que a natureza é criativa, tudo ela cria a
partir de sementes, sendo as próprias sementes criações dela. A natureza é
criativa-produtiva, porém ela não é delirante. O delírio é supor que da semente
da maçã possa nascer um abacate, ou que da semente de um pássaro possa nascer
um homem, ou que da semente do vinho possa brotar a água, ou que da semente do
divino possa nascer ira ou vingança.
O delírio imagina que as coisas podem
vir de qualquer coisa ou do nada, e não de sementes.
Da semente de um Cartola nasce sempre
Cartola, isto é, música rica de vida e
poesia. Cartola que é, antes de tudo, semente da música. Da semente de Manoel
de Barros nasce poesia manoelina, isto é, poesia plural e semente para outras
poesias diversas.
Para conhecermos a realidade de algo,
é necessário, primeiro, sabermos de quais sementes essa realidade brotou e permanece
ainda ligada.
2. Lucrécio afirma que as sementes
são diversas entre si. Elas são diversamente plurais e infinitas.
“Diverso” não é a mesma coisa que “diferente”.
O contrário de diferente é “semelhante”, mas o oposto de diverso é “uniforme”
ou “homogêneo”. Além disso, o diferente o é em relação a alguma coisa, ao passo
que o diverso o é em relação a si mesmo: só o diverso é semelhante ao diverso,
só o diverso produz diversidade, isto é, pluralidade que nunca veste uniformes.
Por isso, é um erro supor que o “clinamen”,
o desvio, é segundo em relação à linha reta . Na verdade, o desvio é que primeiro: o desvio é a origem de todo diverso.
A própria natura é diversa de si mesma, por isso ela produz o diverso como
semelhança de si mesma.
Não apenas as sementes são diversas entre si, também
tudo o que nasce delas é diverso, singular. De fato, da semente de uma maçã não
nasce um abacate. Mas cada maçã que nasce da semente de uma maçã é sempre uma
maçã diversa, composta igualmente de partes diversas entre si.
Como ensina Deleuze, “com Epicuro e Lucrécio começam os verdadeiros atos de
nobreza do pluralismo em filosofia.” (Lógica do sentido, p. 274)
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