quarta-feira, 2 de março de 2022

as duas mãos

 

 Em épocas remotas, um certo ser estranho que mal se distinguia dos primatas pegou o osso de um fêmur e dele fez uma arma. Assim se materializou, pela primeira vez, o poder sob a forma de ameaça de destruição e morte feita a outro ser. 

Essa mesma mentalidade ameaçadora e destrutiva depois se armou com pau,  flecha,  bala,  pólvora,  canhão ,  mísseis...Até chegar ao grau máximo dessa macabra involução : a bomba atômica.

A mão daquele proto-primata que fez do osso uma arma é a mesma  que , hoje, ameaça apertar o botão nuclear. Essa mão perdeu os pelos, as unhas estão cortadas, ela se tornou a mão do homem branco. Mas impulsionando  essa mão saída da manga  de um terno caro está o mesmo impulso cego, irracional.

Mas naquela mesma época primeva outros se valiam das mãos para criarem arte nas paredes das cavernas. Eram os ancestrais dos artistas e educadores.

De um lado, as mãos destrutíferas a serviço  da morte; de outro, a mão criadora-artística afirmadora da vida.

Alguns teóricos “utilitaristas”, quase todos estadunidenses,  consideram que a guerra é o preço a ser pago pelo progresso material da humanidade. Eles elencam  vários apetrechos tecnológicos que “evoluíram” a partir da guerra.

Ou seja,  esses teóricos “pragmático-realistas” consideram que a guerra não apenas destrói, ela também construiria tecnologias que , após a guerra, melhoram a vida do homem no planeta. Em geral, esses teóricos consideram que a mão da guerra, e não a mão artística, seria aquela que , no fim das contas, produziu a “evolução” da humanidade.

Porém, esse raciocínio se mostra absurdo quando se considera o último fruto dessa árvore da violência: a arma atômica. Portanto,  é uma ignorância falaciosa  usar os raciocínios para tentar justificar a existência da irracionalidade, sobretudo essa que hoje ameaça o planeta, seja pela guerra ou   por um sistema econômico desumano-predador, que são as duas faces da mesma moeda da involução iniciada naquele fêmur ameaçador.

A guerra nos mostra que a evolução tecnológica pode estar a serviço de uma involução que  faz o homem regredir a uma mente semelhante àquela do proto-primata, hoje escondida sob a capa de palavras de ordem acéfalas.

A humanidade não começou naquele fêmur levantado em ameaça, ela começou naquelas mãos que transfiguraram a realidade em arte, em linguagem, em cor e forma. São dessas mãos que nasceram a educação, a solidariedade e a empatia. Somente essas mãos podem nos ajudar a vencer as mãos atávicas dos proto-primatas que , de ambos os lados da cerca, ameaçam hoje não apenas a si mesmos, mas a todo o planeta.

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