No Museu da Maré há um espaço
dedicado a Marielle Franco. Na exposição que leva seu nome, foi escolhido um
objeto singular para nos fazer lembrar a vereadora: a porta do seu gabinete .Em
sua atuação política, Marielle costumava colar mensagens nessa porta , além de
sempre mantê-la aberta àqueles que vinham procurar por sua ajuda.
Pela ação de Marielle , aquela porta
continha uma potencialidade de sentidos. E “potencialidade de sentidos” é o
outro nome pelo qual atende a poesia enquanto prática de ressignificar as
coisas e o mundo.
Pois poesia não é só versos: poesia
também é produção de sentidos que podem transformar uma simples porta em um
agente coletivo de enunciação .
Transportada então para o interior do
Museu da Maré, aquela porta se tornou um símbolo-mensagem do próprio ser de
Marielle: porta aberta, receptiva, como seu sorriso.
Não por acaso, na mitologia era sob
uma porta aberta, espaço de travessias, que se manifestava Hermes, a divindade
associada à comunicação das mensagens que requerem a prática da interpretação.
Em grego, “interpretação” se escreve
“hermenêutica”: “arte relativa a Hermes”. Mensagem não é a mesma coisa que
informação. “A capital do Brasil é Brasília”, “dois mais dois é igual a
quatro”, tais coisas não são mensagens.
Mensagem é tudo aquilo cujo sentido
requer a atividade de interpretação: “A palavra abriu o roupão para mim: ela
quer que eu a seja”, este verso de Manoel de Barros não é informação, é
mensagem. “O homem é um ser político”, outra mensagem. Mensagens não são para
se decorar ou reproduzir, mensagens existem para despertarem nosso pensar e
nosso sentir , para assim aprendermos a ler mais do que frases ou palavras:
crítica e criativamente, aprendermos a ler também o mundo.
Nem sempre mensagens se vestem com
palavras, às vezes as mensagens vêm inscritas nas coisas ou são as próprias
coisas portando sentidos a serem interpretados.
A porta de Marielle é mensagem que
simboliza o sentido da travessia e da abertura ao outro, sobretudo ao outro que
é marginalizado, injustiçado, explorado, perseguido.
Os Museus Casa são espaços que já foram residência, quase sempre palácios e mansões (em geral de gente oriunda da elite) . O museu Casa de Rui Barbosa, por exemplo, foi a casa de verdade de Rui Barbosa. Mas pessoas do povo como Cartola, Nelson Sargento, Lima Barreto, Maria Carolina de Jesus, e tantos outros, não tiveram casa para ser patrimônio musealizado. A casa deles é a favela, a cultura popular, a criatividade e a inventividade do povo que luta.
A porta de Marielle é parte de uma
casa assim: uma casa plural, aberta, heterogênea...espaço de resistência à
Casa-grande fascista.
Os assassinos de Marielle obstruíram
covardemente seus passos. Mas a porta que ela simboliza , enquanto abertura à
justiça, à educação e à cultura, esta porta nós não podemos deixar fechar.
- A porta do gabinete de Marielle ( hoje parte do acervo do Museu da Maré):
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