terça-feira, 26 de novembro de 2019

o direito de resistência...


Cresci ouvindo Cazuza cantando :“Os inimigos estão no poder..." Imaginávamos que bastava tirar os inimigos que o poder seria , enfim, a nossa potência. Tiramos os inimigos, porém não tiramos a capacidade nefasta que o poder tem de fazer amigos. Os “amigos do poder”, são estes de fato os inimigos, não importando a cor de sua bandeira. “Poder” não é a mesma coisa que “potência”. Em latim, “potência” é “potentia”, ao passo que “poder” é “potestas”. Em palavras simples, “potência” é a capacidade de realizar ou fazer algo, já o poder , a potestas, é essa capacidade sendo exercida em ato. O professor tem a potência de ensinar, mesmo estando em casa. É quando ele está em sala, no encontro com os alunos, que ele exerce isso que ele pode: nasce a potestas, o poder, como expressão de uma potência. É da potência que nasce todo poder. O poder do professor só é de fato poder, e não apenas autoritarismo, se o poder que ele exerce auxiliar no aumento da potência de compreensão emancipadora dos alunos. O cidadão tem a potência de governar. Essa potência virou poder democrático efetivo em certas experiências históricas de democracia direta. Hoje, embora tenhamos a potência de governar, não temos o poder: delegamos esse poder a outro - o prefeito, o presidente, etc. Ou seja, na democracia representativa somos separados daquilo que podemos. A diferença entre potência e poder fica mais clara quando se trata de duas potências essenciais : existir e pensar. Essas potências são indelegáveis, elas nunca podem ser transferidas do “múltiplo” para o “um”. Por isso, este “um”, o governo, nunca pode se voltar contra o múltiplo de onde nasceu . São as potências múltiplas de existir e pensar que demarcam o limite até onde pode ir um governo: se ele transpuser essa linha imaginando que pode determinar como devemos existir e pensar, já não é governo, mas um poder que põe em risco a própria sociedade da qual ele nasceu. Numa autêntica democracia, as potências singulares podem agenciar-se e instituírem , por direito, determinado poder. Mas elas também podem, pelo mesmo direito , resistir a todo poder que ameace sua existência e queira censurar o livre pensar, sem o qual não há educação, apenas adestramento. Espinosa chama de “Direito de Resistência” ao próprio pensar agindo para defender a si mesmo e a pluralidade da existência . Não apenas greves, passeatas e mobilizações expressam esse Direito, também podem expressá-lo poemas, artes, aulas... e tudo aquilo que em nós se recusa a se deixar matar ou a viver morto.

“ O homem livre nunca termina de esculpir sua própria estátua, pois a arte viva não está na pedra enfim moldada, mas no ato de fazer-se que nunca termina.” (Plotino)




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