Gilles Deleuze faz uma
distinção entre o estar “cansado” ou “fatigado”
e o estar “esgotado”. A diferença entre esses termos implica a noção de “possível”.
Por exemplo, Pedro está em casa. É possível que ele vá ao trabalho; mas é
possível que ele vá ao médico ( pois Pedro não se sente bem); e ainda é
possível que ele vá deambular para espairecer, dado que está tenso. Aqui, as
possibilidades parecem anteceder o que ele pode realizar: ir trabalhar , ou ir
ao médico, ou ir deambular. O “ou” indica que ele não pode escolher dois ou
três possíveis a realizar , ele pode
escolher apenas um. Ele também pode nada escolher realizar de possível, porém
isso não apaga as possibilidades que ele poderia realizar.
Com a ideia de “esgotado”
acontece algo diferente. Nasce o esgotado quando os possíveis se esgotam: já não se tem o que realizar ou possibilizar. O
esgotado esgota, antes de tudo, o campo dos possíveis a realizar . Pedro não quer mais o possível, ele deseja o necessário: e nada é mais necessário do que criar um modo de vida diferente quando o próprio existir se torna sinônimo de cansaço...O necessário não é o que se mostra como escolha entre um "ou" e outro "ou". O necessário é o que somente pode ser afirmado.
Dizem que antes de
nascermos nós fomos possíveis: fomos um possível que coube a nossos pais
realizar. O estar esgotado nos põe em um lugar que antecede o ter nascido,
porém este lugar não é o da morte, o ter morrido ( pois o morrer é um possível
que se pode realizar...). O estar esgotado esgota o possível...Com isso, é o próprio
realizar que parece ter morrido, não nós mesmos. O real se foi junto com o
possível....Mas é aqui que se descobre outra realidade distinta daquela que se pode
realizar a partir de possíveis que se escolhe ou não realizar. Deleuze chama de
“virtual” a esta realidade que, aos olhos do possível e do real, parece
impossível de realizar antes que ela seja criada.
É a partir da vontade que
fazemos nossas escolhas a realizar. É sempre a vontade que se cansa ou se fatiga
,cansando ou fatigando igualmente os músculos do nosso corpo que a obedecem. Não
é a vontade a potência capaz de esgotar o possível. É o desejo a força que
esgota os possíveis antes mesmo de realizá-los, para assim engendrar
nascimentos que nós tornem enfim nascidos. Não porque outros escolheram que
nascêssemos, e sim porque criamos isso a partir de uma virtualidade que olhos
costumeiros imaginam ser impossível.
O fatigado imagina que
existe um campo de possibilidades que antecede o que ele pode ou não realizar
com sua vontade e músculos. O esgotado esgota o possível para libertar realidades diferentes daquelas
que a vontade e músculos realizam. O
esgotado não é quem chega ao fim, o esgotado é aquele que cria (re)começos que
pareciam impossíveis: “Quem se aproxima da origem se renova”(Manoel de Barros).
Quando um artista cria um
estilo novo, esse criar não é um realizar de possibilidades contidas na
realidade do estilo antigo. Esse criar é , ao mesmo tempo, um esgotar das
possibilidades antigas e um afirmar a arte como virtualidade cujo esgotar é impossível, assim
como é inesgotável a Vida em sua Potência Absoluta (Espinosa).Em um estilo novo, não é só o estilo que nasce ou começa: recomeça também a própria Arte.
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