Tempos atrás um amigo muito próximo me procurou reservadamente e me disse: “Amigo, queria que você guardasse uma coisa para mim. Ando tão indignado com as injustiças e vilezas que acontecem ao meu lado, e também muito deprimido pelo efeito dessas coisas dentro de mim , que tenho medo de usar contra alguém ,ou contra mim mesmo, isso que queria que você guardasse para mim ”. Ele enfiou a mão na pasta que carregava e tirou de lá uma arma, um 38. Por amizade pessoal a ele e “amizade política aos outros” ( chamada por Espinosa de “virtude da sociabilidade”, base da democracia), resolvi atender ao pedido do angustiado amigo e guardei a arma em minha casa. Apesar de a ter guardado em lugar bem escondido, era estranho para mim ter aquilo em casa. O direito à propriedade deixa de ser um direito quando aquilo que se tem põe em risco a vida dos outros ou a vida própria ( quando o proprietário de tal coisa perde a capacidade de ser dono de si mesmo). Movido por essa ideia, passei a considerar que aquela arma não era mais propriedade privada do meu amigo e resolvi levá-la à delegacia para entregá-la ( àquela época havia um programa nacional de desarmamento ) . Após receber e destruir a arma, o policial me informou que eu teria direito a receber 100 reais ( o governo pagava pela devolução). Recusei o pagamento , o policial me olhou sem entender. Desconfiado, e vendo que minha mochila ainda estava volumosa, ele perguntou se eu possuía ainda mais alguma arma. “Sim”, respondi. Enfiei então a mão dentro da mochila e retirei dela vários livros que carregava comigo : “Esta é a única arma em que acredito: a educação”.
Foto: o partido “38” , tentativa de institucionalização do fascismo no Brasil.
- foto abaixo: "máquina de guerra" cuja arma não mata, liberta:
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