sábado, 23 de novembro de 2019

o 38...

Tempos atrás um amigo muito próximo me procurou reservadamente e me disse: “Amigo, queria que você guardasse uma coisa para mim. Ando tão indignado com as injustiças e vilezas que acontecem ao meu lado, e também muito deprimido pelo efeito dessas coisas dentro de mim , que tenho medo de usar  contra alguém ,ou contra mim mesmo,  isso que queria que você guardasse para mim ”. Ele enfiou a mão na pasta que carregava  e tirou  de lá uma arma, um 38.  Por amizade pessoal a ele e “amizade política aos outros” ( chamada por Espinosa de “virtude da sociabilidade”, base da democracia), resolvi atender ao pedido do angustiado  amigo e guardei a arma em minha casa. Apesar de a ter guardado em  lugar bem escondido, era estranho para mim  ter aquilo em casa. O direito à propriedade deixa de ser um direito quando aquilo que se tem põe em risco a vida dos outros ou a vida própria ( quando o proprietário de tal coisa perde a capacidade de ser dono de si mesmo). Movido por essa ideia,  passei a considerar que aquela arma não era mais propriedade privada  do meu amigo e resolvi levá-la à delegacia para entregá-la ( àquela época havia um programa nacional  de desarmamento  ) . Após receber e destruir a arma, o policial me informou  que eu teria direito a receber 100 reais ( o governo pagava pela devolução). Recusei o pagamento ,  o policial me olhou sem entender. Desconfiado, e vendo que minha mochila ainda estava volumosa, ele  perguntou se eu possuía ainda mais alguma arma. “Sim”, respondi. Enfiei  então   a mão dentro da mochila e retirei dela vários livros que carregava comigo : “Esta é a única  arma em que acredito: a educação”.

Foto: o partido “38” , tentativa de  institucionalização do fascismo no Brasil.


- foto abaixo: "máquina de guerra" cuja arma não mata, liberta:



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