terça-feira, 12 de novembro de 2019

Gaia & Pachamama


Segundo o mito, antes  de tudo  existia o Caos. E foi do Caos que nasceu a primeira divindade: Gaia, a Terra. A palavra "nascer" não é muito adequada, pois todo nascer pressupõe um pai e uma mãe. O Caos não é homem ou mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos é filho de alguma coisa. O adequado talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos, tal como uma ilha que sobe do fundo do oceano. Gaia emergiu   da multiplicidade indivisível de uma realidade inesgotável. Gaia é singular, incomparável, única de sua espécie: Ancestral Mulher. De Gaia nasceu Uranos, o Céu. "Nascer" também é um termo inadequado, já que Gaia não tinha par. Talvez seja mais adequado dizer que o Céu-Uranos foi um pedaço da Terra que se separou dela, pondo-se acima a gravitar. Nessa época , a Terra era toda ventre, múltiplos ventres. Cada ventre era uma caverna que ia dar no Caos, a imanência fértil, da qual a Terra emergiu. E foi por um desses ventres que veio ao mundo Eros, o Amor. Este ocupou o lugar vazio entre a Terra e o Céu, pois o Amor fez nascer a ideia de que toda separação é vazio a ser vencido. Sob o poder de Eros, o Céu deitou-se sobre a Terra: as estrelas daquele viraram sementes desta, e assim nasceram novos deuses filhos do Céu e da Terra. Cada divindade nova nascia das estrelas do Céu  plantadas como sementes na Terra. Talvez seja isso que queira dizer Manoel quando ensina que "poesia é celestar as coisas do chão." A palavra "amor" nasceu da junção do termo "a" com função de negação ( como em a-fasia: sem fala) mais a abreviação de morte ( "mor"). Assim, "amor" é "não morte" ( nos vários sentidos que a palavra morte tem). Para a planta, o sol e a chuva são "não morte", isto é, amor ( em um sentido não romântico); para o libertário, a liberdade é não morte; para o educador, a educação é não morte.
Entre os indígenas que compõem o povo irmão da Bolívia, Gaia receberá outro nome: “Pachamama” ( a "Mãe de Todos": mãe  dos rios, dos bichos , das sementes, do céu, das estrelas e de tudo o que vive ). Na versão protofascista em curso na Bolívia, com bíblias e fuzis em punho, servis ao dinheiro e ao capital,o poder teológico-político quer matar , simbólica e fisicamente, nossa mãe.

( imagem: "Pachamama", Frida Kahlo)



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