Segundo o mito, antes de tudo
existia o Caos. E foi do Caos que nasceu a primeira divindade: Gaia, a
Terra. A palavra "nascer" não é muito adequada, pois todo nascer pressupõe
um pai e uma mãe. O Caos não é homem ou mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos
é filho de alguma coisa. O adequado talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos,
tal como uma ilha que sobe do fundo do oceano. Gaia emergiu da multiplicidade indivisível de uma
realidade inesgotável. Gaia é singular, incomparável, única de sua espécie:
Ancestral Mulher. De Gaia nasceu Uranos, o Céu. "Nascer" também é um
termo inadequado, já que Gaia não tinha par. Talvez seja mais adequado dizer
que o Céu-Uranos foi um pedaço da Terra que se separou dela, pondo-se acima a
gravitar. Nessa época , a Terra era toda ventre, múltiplos ventres. Cada ventre
era uma caverna que ia dar no Caos, a imanência fértil, da qual a Terra
emergiu. E foi por um desses ventres que veio ao mundo Eros, o Amor. Este
ocupou o lugar vazio entre a Terra e o Céu, pois o Amor fez nascer a ideia de
que toda separação é vazio a ser vencido. Sob o poder de Eros, o Céu deitou-se
sobre a Terra: as estrelas daquele viraram sementes desta, e assim nasceram
novos deuses filhos do Céu e da Terra. Cada divindade nova nascia das estrelas
do Céu plantadas como sementes na Terra.
Talvez seja isso que queira dizer Manoel quando ensina que "poesia é
celestar as coisas do chão." A palavra "amor" nasceu da junção
do termo "a" com função de negação ( como em a-fasia: sem fala) mais
a abreviação de morte ( "mor"). Assim, "amor" é "não
morte" ( nos vários sentidos que a palavra morte tem). Para a planta, o
sol e a chuva são "não morte", isto é, amor ( em um sentido não
romântico); para o libertário, a liberdade é não morte; para o educador, a
educação é não morte.
Entre os indígenas que compõem o povo
irmão da Bolívia, Gaia receberá outro nome: “Pachamama” ( a "Mãe de
Todos": mãe dos rios, dos bichos ,
das sementes, do céu, das estrelas e de tudo o que vive ). Na versão
protofascista em curso na Bolívia, com bíblias e fuzis em punho, servis ao
dinheiro e ao capital,o poder teológico-político quer matar , simbólica e
fisicamente, nossa mãe.
( imagem: "Pachamama",
Frida Kahlo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário