O filósofo Deleuze distingue duas
noções: “sujeito” e “agente”. Todo sujeito se opõe a um objeto: o sujeito seria
o polo ativo, ao passo que o objeto é considerado passividade que se manuseia,
mede, compra , vende... ou mesmo se descarta virando lixo. Mas o que é um
agente? O agente pode ser qualquer coisa que favoreça um agenciamento. Por
exemplo, uma música pode ser o agente de um agenciamento. Também pode ser o
agente de um agenciamento uma paisagem, um livro, um quadro... O agenciamento
expressa uma relação onde há um encontro que suspende as dicotomias
sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, atividade/passividade.
Há um poema de Manoel de Barros que
narra a potência que pode ter um agenciamento: o agente do poema é um pote que
o poeta encontra jogado fora de "barriga vazia para cima". Não faz
muito tempo esse pote deve ter sido o centro das atenções: todos ficavam
felizes e o queriam perto. Ele assim era tratado por guardar algo que
despertava interesse: ele era um pote cheio de sorvete... Tamanha deve ser a
dor que ele sente agora, abandonado . Rejeitado pelos homens, apenas a natureza
quis o pote. A natureza nunca despreza: ela recebe e regenera, preenche vazios
- disso também já sabia Espinosa. “Inútil”, o objeto-pote já não servia para
nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo
aquilo que, ao receber os cuidados dela , sofre um contágio, uma comunhão:
"depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as
borboletas", pressagiou o poeta.
Tempos depois, o poeta teve que
passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela
imagem triste do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta
soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma
semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco que a natureza
depositou: “as chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de
parir". E onde antes crescia o vazio, um poema vivo o pote partejou: do
ventre do pote um pé de rosas desabrochou... "Se a gente não der o amor ele
apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa lição que dele
recebeu sob a forma de rosas, num singular agenciamento. E repletos estavam
agora o pote e o poeta com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca .
“Quando uma ideia nos fecunda ,
também sofremos angústia de parto ” (Plotino)
“ Um grande
livro é sempre o avesso de um outro livro que só se escreve na alma, com
silêncio e sangue” (Deleuze)
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