Tempos atrás ganhei de presente um
jovem canário. A pessoa que me deu já o tinha batizado de “Príncipe”. E assim
ele era: um “Príncipe”, no porte e no canto. Não gosto de gaiolas, sou contra
prender os seres, ainda mais os que têm asas. Mas não queria fazer desfeita.
Aceitei o canário. Com o tempo, adquiri afeto por ele, e ele por mim. Bastava
eu chegar em casa que ele já começava a cantar. Ele passou a confiar em mim a
tal ponto que comia alpiste em minha mão. O tempo passou, ele envelheceu.
Decidi então que o Príncipe não podia morrer na gaiola sem conhecer o que é
voar livre. Levei-o ao Parque do Flamengo, lugar amplo e arborizado. Quando
abri a gaiola e o apanhei, pela primeira vez ele bicou minha mão. Parecia que
ele adivinhava o que eu queria fazer: libertá-lo de mim. Ele não compreendia
que aquele ato também me era doído ,porém nascia do meu amor por ele. Quando o
soltei, ele mal conseguiu voar. Creio que ele compreendeu que suas asas estavam
atrofiadas. Ele pousou na grama, olhou ao redor, parecendo admirado com o
horizonte tão perto. Virei as costas e fui embora... Após dar alguns passos não
resisti e virei para a “última olhada”. Ele não estava mais lá... Passados mais
de 10 anos do fato, sempre que passo por ali inadvertidamente o procuro nos
galhos, mesmo com a “objetiva razão” sempre a me dizer que eu nunca mais o
verei...
Num domingo recente , porém, sai bem
cedo para deambular . Andei muito, até que me vi no Parque do Flamengo. Sentei
ao pé de uma amendoeira para apreciar aquela manhã linda. De repente, ouvi um
canto estranho vindo dos galhos. Levantei a cabeça e vi um tipo de canário que
nunca vi antes: parecia um pardal! Tinha a cor e o jeito de um pardal, mas
cantava como um Príncipe. Seria um mestiço?... Só então me dei conta que havia
sentado exatamente a poucos metros de onde havia libertado o Príncipe anos
atrás. Tentei segurar a imaginação, mas não consegui: ela voou de mim como
poética rebeldia liberta da gaiola dos fatos . Assim, retornei mentalmente
àquela manhã do passado e vi o que aconteceu quando fui embora: de um galho,
uma pardal observava toda a cena. Vendo o Príncipe em perigo e perdido no meio
da liberdade, ela desceu e pousou ao lado dele , levando-o consigo para ele
aprender a ser livre . Juntos construíram ninho e engendraram uma nova raça.
“Poesia é voar fora da asa” (Manoel
de Barros)
( o livro “O pardal de Espinosa” fala
da amizade de Espinosa com um simples pardal que o filósofo criou . “Rebelde”,
foi este o nome que Espinosa deu ao pardal, criando-o livre e fora de gaiolas -
físicas ou simbólicas)
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