sábado, 25 de novembro de 2023

Manoel & Espinosa: (po)ética


1- Desde menino, o filósofo Espinosa demonstrava uma capacidade impressionante para  “ler” as pessoas, possuindo   o que hoje se chama “inteligência  emocional” : um saber intuitivo acerca da natureza humana, conhecendo  o que nela há de luz e de  sombras.

Sabedor disso, o pai de Espinosa,  senhor   Miguel, que era comerciante,  sempre pedia conselhos ao seu filho acerca da índole de determinado devedor.

Embora tivesse  apenas 11 anos , com olhos penetrantes o menino Espinosa conseguia distinguir quem estava em reais dificuldades (cuja dívida era perdoada) ,  de quem fingia aperto por mera desonestidade.

Certa vez, o senhor Miguel  nutria  esse tipo de dúvida acerca de uma senhora que lhe devia  determinado valor. Ele pediu ao menino Espinosa para ir à casa de tal senhora. O menino foi.

Quando o menino Espinosa  bateu à porta da residência da devedora suspeita  , esta apenas entreabriu  a porta , mal conseguindo disfarçar certo nervosismo (  ela  já adivinhava  o motivo da visita e conhecia a fama do menino...). 

Fechando de novo a porta, falou: “Espera um instante ,  estou lendo a Bíblia, primeiro nossos deveres com Deus”.

Ela leu bem alto a Bíblia , de fora dava para ouvir. Depois, reabriu a porta já com  o dinheiro na mão.

Ao mesmo tempo em que colocava rapidamente a soma na mão do menino, ela disse: “As pessoas  de bem sempre leem a Bíblia e falam de Deus, nunca  se esqueça  disso menino. Agora vá”, e fechou abruptamente  a porta.

Após alguns segundos, ela ouviu novamente batidas à porta. Quando abriu, viu de novo o menino Espinosa, que com calma, mas firmeza, lhe falou: “Minha senhora, o valor que a senhora me deu está faltando” .

O menino Espinosa   estendeu então novamente a mão esperando  receber mais do que o dinheiro faltante , ele queria   receber, sobretudo,  outra coisa que faltava: a verdade.

 

2- Manoel de Barros se formou em Direito. No entanto, seu primeiro cliente foi também o último. Tratava-se de um comerciante   acusado de desonestidade no uso da balança : na hora de pesar a mercadoria, sorrateiramente ele apoiava o dedo para aumentar o peso de forma fraudulenta.

Uma senhora prejudicada pela desonestidade do mau comerciante    resolveu  abrir um processo contra ele. Era a palavra do comerciante   contra a da senhora que o acusava, pois não havia testemunha, embora a fama do denunciado  não fosse boa...

Na primeira vez em que esteve com o tal comerciante, Manoel pediu para conversar a sós com  ele, e indagou: “É verdade o que ela diz? Você burlou o peso?” E o dissimulado respondeu: “É verdade. Mas fique tranquilo: pagarei  bem a você.”

Manoel pediu  licença   ao farsante e foi conversar com o dono do escritório de advocacia, dizendo: "Desisto do caso, não vou me vender para defender  as mentiras  que esse desonesto inventa.  A invenção de que gosto é outra: não é invenção que nega a realidade, é invenção   que , através da poesia,  amplia o mundo ”.




 Na capa do livro de Espinosa se encontra a imagem da rosa acompanhada da palavra latina “caute”, que pode ser traduzida por “cuidado”. Essa imagem estava impressa no sinete com o qual Espinosa assinava suas cartas. Um dos sentidos dessa imagem é : tudo aquilo que é belo, raro, singular, precioso...requer cuidado para ser colhido.



Este é um dos melhores documentários sobre a vida e a poética de Manoel:



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