O filósofo Husserl dizia que o pensar
teórico , sempre formal e abstrato,
requer a “suspensão das crenças”. Não
apenas “crença” no sentido religioso ,
mas crença até mesmo enquanto impulso intuitivo do coração, enquanto sede viva
do Afeto.
O pensar teórico exige que nos dispamos de tudo , até ficar
apenas a nudez seca da “razão pura” e
seu olhar sem corpo.
Já o poeta Coleridge retruca o
filósofo e diz: a poesia requer não a suspensão das crenças, mas das
descrenças. Sobretudo da descrença que nos derrota antes mesmo de começarmos a
luta.
Mas a descrença é tão ardilosa e
dissimulada, que ela se disfarça muitas vezes sob a forma de crença
teológico-política, chamada por
Espinosa de “superstição” , e por
Nietzsche de “niilismo reativo”. Crenças reativas assim , sobretudo quando se
armam de messianismos bélicos, parecem nos querer produzir a descrença no
humano...
Por isso, a crença de que fala o poeta é outra: é a
crença na vida. Não por acaso, as palavras “crer” e “criar” têm uma fonte
comum: o antigo verbo “creare”. Assim,
só cria quem crê: quem não crê, não cria.
Van Gogh tinha uma crença assim nas tintas, e dessa crença ele criou uma arte nova. Paulo Freire nutria
uma crença assim na educação, e alimentado por essa crença ele criou um método
revolucionário de ensino.
Só cria um laço de amizade quem crê
numa pessoa, fazendo dela uma amiga. Só cria um bicho de estimação ou uma
plantinha que seja, regando-a todo dia, quem crê na vida e no cuidado que ela
requer.
O professor cria suas aulas porquê
crê no aluno; e o aluno exercita o aprender, um aprender ativo, quando também
crê no professor: para dessa maneira
ambos, professor e aluno, crerem em si mesmos e no processo que ambos criam
juntos, potencializando o espaço social da universidade ou escola. E quem crê
num criar ativo assim, sabe fazer e receber crítica.
Essa percepção da relação íntima
entre crer e criar é o que constitui a poesia no seu sentido originário ,
e que não precisa apenas de versos para
se expressar, uma vez que é tal poesia
que cria música, pintura , exposições, novos métodos de ensinar e , sobretudo, novos modos
de vida, novas maneiras de ser e estar como antídoto à descrença crente dos
niilistas reativos e seu poder destrutivo que nada cria.
“Mais importante do que o pensamento é o que
‘dá a pensar’, mais importante do que o filósofo é o poeta.” ( Deleuze)
“Quem não tem instrumentos de pensar,
inventa.” (Manoel de Barros)
“Poesia pode ser que seja fazer outro
mundo.” ( Manoel de Barros)
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