segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Eco e Narciso

 

          

 Eco era uma divindade feminina capaz de produzir narrativas. Eco é o equivalente de Sherazade na mitologia grega. Eco possuía  a potência de narrar e imergir em suas narrativas quem a ouvia .

Sabedor disso, e querendo fugir dos olhos de Hera, certa vez Zeus pediu para que Eco, com suas histórias, entretece sua esposa Hera. O plano de Zeus era sair do Olimpo para ir viver aventuras amorosas...

Sem saber das reais motivações de Zeus, Eco fez o combinado: encontrou Hera e a abduziu  com suas inesgotáveis histórias. Durantes horas e horas, Hera se esqueceu de tudo , absorvida que estava pelas cores e paisagens criadas pela voz e  palavras de Eco.

A noite já avançava quando Hera se deu conta da ausência de Zeus. De imediato, ela deduziu a estratégia de Zeus empregando Eco. Embora esta não tivesse culpa, Hera fez cair uma maldição sobre Eco.

Os gregos acreditavam que as palavras que chegam à boca carregadas de vivências e cores, tais palavras vêm do coração e se mantêm ligadas a ele por tênues fios, como os de Ariadne. As “cordas vocais” atestariam que as palavras que narram histórias que envolvem mantêm fios e cordas ligadas ao coração, como se este fosse um novelo.

Para alguém como Eco tão rica de palavras que afetam, Hera pensou na pior maldição possível. A pior maldição para alguém como Eco não é ficar muda. A pior maldição foi o que Hera fez: ela cortou os fios entre as palavras e o coração de Eco, de tal maneira que Eco não ficou muda, porém toda palavra por ela dita viria de fora : seria apenas palavra repetida, mera cópia do que o outro diz.

Hera atingia assim Eco em sua riqueza, uma vez que o nome dela significa que toda riqueza por ela falada, partilhada e  comunicada era eco da riqueza que ela trazia dentro dela, enquanto riqueza de ideias, de sentires, de pensares  e  imaginações...

Sentida com a terrível maldição , Eco saiu do Olimpo e veio se esconder num bosque. Foi nesse bosque que Eco viu pela primeira vez Narciso. Antes que Narciso a visse , Eco foi para trás  atrás de uma moita, pois não queria ser vista de imediato.

Ao mexer-se atrás da moita, sem querer Eco fez com que os galhos balançassem e fizessem barulho. Narciso voltou-se para moita e perguntou: “Quem está aí?”. Atrás da moita ouviu-se então a voz: “Quem está aí?”. Narciso insistiu: “Apareça agora ou vou embora". Ouvindo então da voz atrás da moita: “Apareça agora ou vou embora”.

Narciso deu de ombros e se foi... Sentindo-se rejeitada, Eco foi se esconder no fundo de uma caverna. Até hoje quando entramos numa caverna e chamamos por Eco, com nossa própria voz ela responde...


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Obs: Narciso teve por pai um rio, o Cefiso,  que seduziu uma ninfa. Assim, Narciso é filho das águas: realidade fluida e inconstante , como o tempo que passa e a tudo arrasta. Ao serem seu espelho , as águas mostraram a Narciso a sua origem , onde nada se fixa, tudo passa. Etimologicamente, o nome “Narciso” tem por raiz o termo “nark”, que significa “entorpecido”, “anestesiado” ( tal como “narcótico”). A própria imagem entorpece Narciso, o impede de ver a realidade,  como uma droga que vicia.

 



                       ( "Narciso", de Vik Muniz. Obra feita com material retirado de um lixão)






“Narciso acha feio o que não é espelho.”

              Caetano  Veloso








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