A cultura humana nasceu da prática de cultivo de três plantas cujo valor
é também simbólico: a vinha, a oliveira e o trigo.
A vinha é a árvore da qual vem o vinho. Essa bebida está associada à
festa, à alegria, a Dioniso. Pois festa e alegria também são partes daquilo que
dá sentido à existência humana.
Da oliveira vem o azeite de
oliva. O azeite é tempero: ele ajuda a preparar o alimento. De tempero vem “temperança”, uma
das virtudes fundamentais da ética. O
azeite também é parte dos ritos sagrados de diferentes sociedades , pois ele é
um elemento que unge e protege .
E do trigo vem o pão. O pão é o
que mata a fome. Mas há também o aspecto simbólico do “pão”. Em latim, “pão” é
“panis” , raiz do termo “companis”, do qual nasce “companheiro”: “aquele com quem
dividimos o pão.” Há o pão que mata a fome do corpo, e há também o pão que
alimenta a ação ( o pão da liberdade) , o conhecimento (o pão das ideias) e a
sensibilidade( o pão das artes).
A vinha e a oliveira podem crescer
sozinhas na natureza, isto é, sem precisarem ser cultivadas. Porém o trigo é tão frágil, requer tantos cuidados,
que ele somente cresce sendo cultivado pelas mãos humanas : mãos que cuidem,
fertilizem... E também saibam afastar as
ervas daninhas. Em sua “Odisseia”, o
poeta Homero compara a condição humana
ao trigo.
“Cuidado” vem de “caute”: prática de proteger o que é frágil. Não porque
seja fraco, e sim em razão de ser uma potencialidade que, para aflorar, requer
que cuidemos. É por isso que o trigo é a semente que também simboliza a
condição humana enquanto potencialidade. Toda semente é frágil, assim como uma criança;
porém o cuidado não pode ser frágil: precisa ser perseverante, potente. Não por
acaso, “caute” é o lema da Ética de Espinosa.
Os inimigos da cultura sempre fazem culto da selvageria ( nos vários
sentidos que essa palavra tem) . Quando a selvageria domina, a
semente atrofia e dela nascem
apenas inumanidades que põem em perigo a
condição humana e o terreno aberto e plural da cultura.
Do trigo não vem apenas o pão, dele também vêm o bolo, o macarrão, a
farinha, as diversas massas...Enfim, múltiplas realidades que podem nascer
da potencialidade que vive nele.
Semelhante ao trigo também é o homem: somente a cultura pode nele fazer
aflorar o poeta, o cientista, o médico, o jardineiro, o professor, o cidadão,
enfim, ele mesmo. Pois é a cultura o meio físico e simbólico para o ser humano criar e dar um sentido a ele próprio,
individual e socialmente.
Nesse sentido originário, cultura recebe também outro nome: educação.
"Poeta é ser que vê semente germinar." (Manoel de Barros)
(imagem:
“Campo de trigo”/ Van Gogh)
Nenhum comentário:
Postar um comentário