sexta-feira, 29 de outubro de 2021

cultura e educação

 

A cultura humana nasceu da prática de cultivo de três plantas cujo valor é também simbólico: a vinha, a oliveira e o trigo.

 A vinha é a árvore da qual  vem o vinho. Essa bebida está associada à festa, à alegria, a Dioniso. Pois festa e alegria também são partes daquilo que dá sentido à existência humana.

  Da oliveira vem o azeite de oliva. O azeite é tempero: ele ajuda a preparar  o alimento. De tempero vem “temperança”, uma das virtudes  fundamentais da ética. O azeite também é parte dos ritos sagrados de diferentes sociedades , pois ele é um   elemento que unge e protege .

E do trigo vem o  pão. O pão é o que mata a fome. Mas há também o aspecto simbólico do “pão”. Em latim, “pão” é “panis” , raiz do termo “companis”, do qual nasce “companheiro”: “aquele com quem dividimos o pão.” Há o pão que mata a fome do corpo, e há também o pão que alimenta a ação ( o pão da liberdade) , o conhecimento (o pão das ideias) e a sensibilidade( o pão das artes). 

A vinha e a oliveira podem  crescer sozinhas na natureza, isto é, sem precisarem ser cultivadas. Porém  o trigo é tão frágil, requer tantos cuidados, que ele somente cresce sendo cultivado pelas mãos humanas : mãos que cuidem, fertilizem...  E também saibam afastar as ervas daninhas. Em sua    “Odisseia”, o poeta  Homero compara a condição humana ao trigo.

“Cuidado” vem de “caute”: prática de proteger o que é frágil. Não porque seja fraco, e sim em razão de ser uma potencialidade que, para aflorar, requer que cuidemos. É por isso que o trigo é a semente que também simboliza a condição humana enquanto potencialidade. Toda  semente é frágil, assim como uma criança; porém o cuidado não pode ser frágil: precisa ser perseverante, potente. Não por acaso, “caute” é o lema da Ética de Espinosa.

Os inimigos da cultura sempre fazem culto da selvageria ( nos vários sentidos que essa palavra tem) . Quando a selvageria  domina,  a  semente atrofia e dela  nascem apenas inumanidades  que põem em perigo a condição humana e o terreno aberto e plural da cultura.

Do trigo não vem apenas o pão, dele também vêm o bolo, o macarrão, a farinha, as diversas massas...Enfim, múltiplas realidades  que  podem nascer  da potencialidade  que vive nele.

Semelhante ao trigo também é o homem: somente a cultura pode nele fazer aflorar o poeta, o cientista, o médico, o jardineiro, o professor, o cidadão, enfim, ele mesmo. Pois é a cultura o meio físico e simbólico para  o ser humano criar e dar um sentido a ele próprio, individual e socialmente.

Nesse sentido originário, cultura recebe também outro nome: educação.


                                  "Poeta é ser que vê semente germinar." (Manoel de Barros)

 

(imagem: “Campo de trigo”/ Van Gogh)





 


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