domingo, 24 de outubro de 2021

Espinosa e os dois pães

 

Uma das palavras com origem mais bela e rica é a palavra “companhia”. A raiz dessa palavra é “panis”, “pão”. Assim, “companhia” é :  “trazer consigo o pão”.  “Companheiros”: “aqueles que dividem entre si o pão”.

Mas dizem que há dois pães: o que alimenta o corpo e o que alimenta o  espírito. O pão que mantém o corpo vivo é feito de trigo, sal, fermento; já o pão que alimenta o espírito é composto de ideias e  afetos , que também são fermento. Sem esse pão plural , o espírito morre de fome.

Os elitistas cinicamente defendem que o povo quer apenas o pão que alimenta o corpo, e que ele já se contenta apenas com as migalhas e sobras desse pão. Assim são as políticas eleitoreiras desses cínicos : migalhas ao povo, para assim perpetuar a submissão.

Mas pensando com Espinosa essa questão, não há dois pães, um material e outro espiritual, um materialista e outro espiritualista. Há apenas um pão. O pão que alimenta o corpo é o pão mesmo que alimenta o espírito, visto sob outra perspectiva; e  o pão que alimenta o espírito é o pão mesmo que alimenta o corpo, visto de outra perspectiva.

Não há economia separada da política:  inexiste  diminuição da pobreza e da desigualdade sem democracia e educação.

Quem acumula o pão material e não o divide, também é quem imagina que cultura e artes são só para a elite. Por outro lado, partilha de verdade o pão que alimenta o espírito quem age concretamente para que, socialmente, seja partilhado o pão que alimenta o corpo .

Partilhar o pão que alimenta o corpo não é dar esmola, muito menos restos e sobras. Por mais ricos e belos que sejam os pães que alimentam o espírito, este deve ficar indignado e  ainda com fome, fome de justiça, enquanto houver um outro ser humano procurando comida no lixo.

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