Segundo o filósofo Deleuze, e aqui
ele segue as lições de Espinosa, o pensar é uma potência imanente em cada um de
nós. Porém, essa potência somente é descoberta
e exercida quando algo acontece suspendendo os roteiros , desdizendo as
cartilhas, pondo em dúvida costumeiros credos.
Não que o pensar seja para poucos,
porém não são muitos os que são despertados por ele, às vezes mais às custas de
derrotas do que de vitórias, mais na dor do que na alegria. Mas quem pelo
pensar é desperto, age para que ele desperte também os outros, e isso não se
faz sem alegria.
Manoel de Barros parece concordar com
Deleuze quando diz que o inimigo maior
do pensar é o “mesmal”. O “mesmal” nasce da mente acostumada, dos olhos
acostumados, enfim, do viver acostumado.
O mesmal leva o homem a se acostumar
não só com os hábitos, mas também com a torpeza que o cerca, com a
ignorância que o ameaça e até mesmo com o fascismo que já pisoteou seu jardim e
agora bate à porta, querendo arrombá-la.
Manoel criou um verbo como antídoto
para o mesmal: é o “empoemar-se”. Mas empoemar-se não é exatamente passar o dia
lendo ou escrevendo poesia, tampouco entregar-se a narcisismos líricos.
Empoemar-se é mais do que ler versos,
empoemar-se também é educação, ética e
ação política. Empoemar é um verbo que se conjuga em várias pessoas , em
diversos tempos, em diferentes flexões, sempre como ato libertário. A “poética”
de Manoel é, na verdade, uma “empoética” para ser não apenas lida: é para ser
feita , vivida.
O conhecimento empoema a mente; a liberdade empoema a ação; a música empoema o som; pintar empoema as
tintas; a saúde empoema o corpo; o ir adiante empoema os passos; o horizonte
empoema a visão; o doar empoema a mão; enfim,
o pensar empoema a existência .
E mesmo a vida talvez tenha surgido no planeta como um
empoemar-se da própria natureza criando-se como arte, diferenciando-se do
mesmal das leis físicas.
O empoemar não é definível apenas em palavras , ele se explica sendo produzido no mundo, na vida : subvertendo o mesmal onde
quer que ele esteja.
“Interpretar não é
falar de algo, interpretar é falar com algo ( a partir de nós mesmos)." (
Pareyson)
-Escrevi um capítulo para este livro sobre Manoel de Barros lançado recentemente. Como professor e filósofo, falar com Manoel é sempre um aprendizado para mim. O livro pode ser baixado gratuitamente aqui:
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