sábado, 30 de outubro de 2021

nietzsche & manoel

 

Nietzsche diz que o homem pode passar por três metamorfoses :a do burro ( ou camelo), a do leão e a da criança.

O burro é aquele que diz “sim” ao que está dado: ele aceita, passivamente, os valores estabelecidos por intermédio dos quais o poder dominante se perpetua. Sua forma de aceitação é “oferecer as costas” para carregar, assim se entregando à “servidão voluntária” , nisso lembrando também um “gado”. É assim que o burro se sente “útil” : carregando o peso que em suas costas colocaram. Todos nascemos mais ou menos burros, pois carregamos , desde a infância , os valores de um mundo que já achamos pronto, dado.

Quando o poder diz que só se deve ensinar às crianças tabuada e gramática, e nada de artes e filosofia, o que ele quer é manter submissos seus carregadores também no futuro.

O leão pode nascer do burro quando este sofre uma metamorfose, aprendendo a dizer “NÃO”. Ninguém sobe no dorso de um leão: ele vê em tudo uma jaula onde querem prendê-lo. O leão é ferozmente crítico e cético, imaginando que ser potente é negar . O leão pode mais do que o burro, porém é incapaz de criar , pois para criar é preciso crer. E o leão em nada crê. O leão imagina que crer é ser como o burro que ele já foi.

Do leão pode surgir nova metamorfose: a criança, aquela que redescobre a força do “Sim”. Pois o Sim da criança não é como o sim alienado do burro. O Sim da criança sobreviveu ao não do leão, o incorporou como crítica, porém vai além dele, tornando-se afirmação de uma potência criativa .

A criança não carrega, como o burro; nem ruge e ameaça, como o leão. Ela libertou-se de todo peso, corre e dança, e há nela uma força mais poderosa que a dos dentes e garras.

O burro é refém dos valores do presente que o esmaga e aliena; já o leão nasceu quando este presente virou passado que o leão não quer mais que se repita. Mas a criança é , ao mesmo tempo, metamorfose no presente e libertação do passado em razão de uma crença ativa no futuro , uma “linha de fuga”, como criação de novas possibilidades para a vida, a despeito das forças obscurantistas que ameaçam retê-la.

Não se trata de otimismo ou esperança, mas de perseverança: “Só podemos destruir sendo criadores”. (Nietzsche)

Em Manoel de Barros, o devir-criança sobre o qual filosofa Nietzsche se torna exercício poético-brincativo, crítico e criativo,  da resistência.




 

Nenhum comentário: