domingo, 3 de outubro de 2021

informação e mensagem

 

Certa vez, eu precisava explicar para uma turma a diferença entre “informação” e “mensagem”. Expliquei então  que a informação existe para ser reproduzida tal como ela é, ao passo que a mensagem existe para ser interpretada.

“Interpretação” é a tradução latina do termo grego “hermenêutica”, em cujo coração está um nome próprio: “Hermes”.

Não é adequado dizer “Hermes, o deus mensageiro” , ou  “Dioniso, o deus das artes”. Pois isso pode nos levar a imaginar que Hermes existia antes das mensagens, ou Dioniso antes das artes, e que  mensagens e artes foram obra de um e de outro.

Na verdade, não existe mensagem antes de Hermes, tampouco artes antes de Dioniso. Eles são mensagem e arte entendidas enquanto Potências: identidade entre o produtor e sua obra.

Na religião, Deus cria sua obra do nada; na poesia originária, as divindades são Potencialidades que nos ajudam a vencer as forças  reativas que , ontem e hoje, querem reduzir a cultura e a educação a nada.

Hermes é a  Potência que há em toda mensagem, Dioniso é a Potência das artes, Potências que existem para serem achadas também em nós, e reinventadas.

Quando Dioniso foi despedaçado por seus carrascos, Hermes guardou  o coração de Dioniso com ele. Isso significa que toda mensagem tem um coração, que é o seu sentido, e cada um interpreta esse sentido conforme o coração  que tem. Se o coração de alguém for generoso, enriquecerá o sentido; se o coração for mesquinho, ao contrário, apequenará o sentido.

Exemplifiquei a aula mostrando  uma partitura de Villa-Lobos . Apenas escrita no papel, a partitura não é música ainda. Ela se torna música quando tocada. Depois, coloquei para tocar duas interpretações da mesma partitura: uma de Turíbio Santos,  outra de Sebastião Tapajós. Era a mesma partitura, porém cada um a interpretava de maneira diferente.

Turíbio tem o coração geométrico, técnico; já Sebastião tem o coração poético nascido de quando ele tocava Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga nas rodas de choro.  É um coração preto, do povo.

Turíbio faz Villa-Lobos dialogar com a Europa, com Descartes e seu método lógico-racional; Sebastião leva Villa-Lobos a passear pelos subúrbios do Rio, e com ele sobe o morro.

Não se trata de dizer qual  dos dois interpreta melhor a mensagem-Villa-Lobos, pois cada um expressa diferentemente uma mesma potencialidade, cada um constrói uma perspectiva diferente. Pois interpretar é uma arte.

Este texto é uma simples homenagem ao grande Sebastião Tapajós, falecido hoje. Agora, ele se tornou a própria mensagem que seu coração suburbano e popular, coração anti-Casagrandista,  soube criar.




- Sebastião é mais "melodioso", prolonga mais as notas graves, o que se reflete na duração de sua interpretação em relação à de Turíbio:














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