Certa vez, eu precisava explicar para uma turma a diferença entre
“informação” e “mensagem”. Expliquei então
que a informação existe para ser reproduzida tal como ela é, ao passo
que a mensagem existe para ser interpretada.
“Interpretação” é a tradução latina
do termo grego “hermenêutica”, em cujo coração está um nome próprio: “Hermes”.
Não é adequado dizer “Hermes, o deus
mensageiro” , ou “Dioniso, o deus das
artes”. Pois isso pode nos levar a imaginar que Hermes existia antes das
mensagens, ou Dioniso antes das artes, e que
mensagens e artes foram obra de um e de outro.
Na verdade, não existe mensagem antes
de Hermes, tampouco artes antes de Dioniso. Eles são mensagem e arte entendidas
enquanto Potências: identidade entre o produtor e sua obra.
Na religião, Deus cria sua obra do nada;
na poesia originária, as divindades são Potencialidades que nos ajudam a vencer
as forças reativas que , ontem e hoje,
querem reduzir a cultura e a educação a nada.
Hermes é a Potência que há em toda mensagem, Dioniso é a
Potência das artes, Potências que existem para serem achadas também em nós, e
reinventadas.
Quando Dioniso foi despedaçado por
seus carrascos, Hermes guardou o coração
de Dioniso com ele. Isso significa que toda mensagem tem um coração, que é o
seu sentido, e cada um interpreta esse sentido conforme o coração que tem. Se o coração de alguém for generoso,
enriquecerá o sentido; se o coração for mesquinho, ao contrário, apequenará o
sentido.
Exemplifiquei a aula mostrando uma partitura de Villa-Lobos . Apenas escrita
no papel, a partitura não é música ainda. Ela se torna música quando tocada.
Depois, coloquei para tocar duas interpretações da mesma partitura: uma de
Turíbio Santos, outra de Sebastião Tapajós. Era a mesma partitura, porém cada
um a interpretava de maneira diferente.
Turíbio tem o coração geométrico,
técnico; já Sebastião tem o coração poético nascido de quando ele tocava
Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga nas rodas de choro. É um coração preto, do povo.
Turíbio faz Villa-Lobos dialogar com
a Europa, com Descartes e seu método lógico-racional; Sebastião leva
Villa-Lobos a passear pelos subúrbios do Rio, e com ele sobe o morro.
Não se trata de dizer qual dos dois interpreta melhor a mensagem-Villa-Lobos,
pois cada um expressa diferentemente uma mesma potencialidade, cada um constrói
uma perspectiva diferente. Pois interpretar é uma arte.
Este texto é uma simples homenagem ao
grande Sebastião Tapajós, falecido hoje. Agora, ele se tornou a própria
mensagem que seu coração suburbano e popular, coração anti-Casagrandista, soube criar.
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