domingo, 27 de novembro de 2022

Viva Gilberto Gil!

 

Eu tinha cerca de 12 anos e fazia o antigo ginásio. Era uma época difícil, sufocante...A  ditadura militar censurava, perseguia ,  prendia e torturava quem pensasse diferente do poder autoritário dominante.

Quando cresci e estudei história , aprendi que esses perseguidos pelo terror eram pessoas que sentiam que o mundo precisava ser mudado , e agiam para isso. Mas ainda criança, eu também sentia que o mundo dos homens estava errado , mas não encontrava nos livros lições que dissessem isso, pois pensar estava proibido. 

Àquela época, a escola não era um espaço de descobertas : a ditadura controlava tudo, e usava as cartilhas e   tabuadas como meios de adestramento.

Poesia e literatura? Só eram aceitos os parnasianos, como aquele poeta elitista autor do Hino Nacional que a gente não entendia  nada da letra , porém nos obrigavam  a cantar em posição  militar, rigidamente, batendo continência para a bandeira, como se ela fosse um general sisudo sobre o Monte Parnaso.

Até que chegou à escola uma professora nova de língua e literatura. Tudo nela era diferente: a roupa,  o jeito , o olhar , enfim, a pessoa. Foi a primeira vez que entendi de verdade o que era uma educadora e tudo o que a arte pode em termos de (auto)descoberta .

Em vez de adotar livros parnasianos para a gente ler decorando datas e palavras que a gente não entendia, palavras mortas que nada nos diziam a não ser: “obedeçam!”, ela adotou um livro diferente cujas palavras  a serem interpretadas eram letras de música  dos Festivais da Canção acontecidos recentemente.

Assim , foi como poesia que li , pela primeira vez, Chico Buarque, Caetano , Paulinho da Viola e Gilberto Gil. Antes de conhecer a música deles , eu me empoemei , ainda criança, com a poesia  sob a forma de letra. Algo em mim se horizontou e veio para fora: era eu mesmo,  ainda de mim desconhecido.

Foi a primeira vez que  experimentei  o que é ler, pois ler é ler-se. Eu não entendia todas as palavras , mas sentia que eram palavras vivas que me ensinavam  um sentido que eu sabia ser o mesmo que os milicos não queriam que a gente aprendesse, um sentido libertário da plural e popular poesia.

A querida professora transformava  a sala de aula  numa lúdica academia , uma academia livre de adestradoras cartilhas, onde  a gente era alfabetizado  no  pensar lendo a poesia de  Chico, Caetano, Gilberto Gil e Paulinho da Viola.

Desde aquelas antigas resistências poéticas, que devem inspirar as necessárias resistências ao fascismo teomiliciano de agora,  Gilberto Gil já era membro  da Academia Brasileira  de Letras Pensantes para cantar !

 

Viva Gilberto Gil!


















Um comentário:

cauepizindim disse...

Palavra

Verbo.Verbosidade ardilosa.
Irritação.
Impressão. Expressão.
Meio de transporte.
Urro, gesto, palavra.
Comunicação de reação.
Invaginação e evaginação.
Contato do interior com o exterior e do exterior com o interior. Dialógica.
A jornada desde a complexidade da célula até a simplicidade do universo. E, vide o verso. O retorno. A palavra sussurrada pelo espelho.
Urro palavra. Gesto murro. O tapa na própria cara.
A perplexidade do que não basta, em si ou fora de si. A busca da conexão.