Segundo Deleuze,
“besteira” vem de “besta”. A besta não é um animal determinado, mas um “fundo
indeterminado” oculto em todo animal.
Nos animais, porém, o instinto os dota
de certo comportamento reconhecível ,
impedindo que esse fundo obscuro da besta tome o animal.
O leão é o leão, a hiena
é a hiena, o lobo é o lobo. A ferocidade desses animais não é maldade ou
crueldade, mas ações que se explicam pelo instinto, pela natureza. Nenhum
desses animais se comporta como uma besta indeterminada, pois seus comportamentos
são explicáveis por sua natureza.
O homem é o único ser no
qual o instinto não tem força para protegê-lo desse fundo indeterminado-obscuro, tampouco pode a inteligência , sozinha, livrar o homem da besta que vive nele.
As armas, por exemplo,
são ciências aplicadas ( física,
mecânica, balística...) a serviço da
besta. O mundo digital, apesar de fruto da tecnologia avançada, também pode
servir à mentalidade obscurantista e atrasada da besta.
Quando a besta toma a
mente e a boca do homem, nasce então a besteira. Para quem sabe ouvir, crianças
nunca dizem besteiras, somente os adultos que são uma besta podem dizer besteiras que tanto doem ouvir.
A besta pode até mesmo se servir da religião,
tal como no fanatismo teológico-político armado de intolerância. A besta pode se servir
do Estado, nascendo assim o Leviatã Fascista raivosamente militarizado.
Quando a besta toma o
homem, este se torna um ser irreconhecível , virando um bicho imprevisível que
nem a natureza explica mais...
Incapaz de empatia, a
besta zomba da morte, se compraz com a destruição e faz do negacionismo a
sua macabra religião. Enfim,
a "besta" é a presença
no homem de um "buraco", de uma “obscuridade”, de uma "morte". Não a morte biológica, mas a morte como
política: necropolítica.
Como a "besta" é movida por esse "buraco-negro", bestialmente se volta contra tudo aquilo que é criação de luz, como a educação, a cultura e as artes. A "besta" quer fazer tudo ruir para seu buraco-negro para ver se o preenche, porém isso é impossível, o buraco é sem fundo...
A besta odeia a natureza, e por isso quer sempre destruí-la : fisicamente, como faz com as florestas; ou simbolicamente, com a “demonização”do corpo e do desejo.
Na mitologia, a “Besta”
era representada pelo Minotauro: metade touro, metade homem, a besta morava num
lúgubre labirinto que prendia a todos e parecia não ter saída. Mas a
bestialidade do Minotauro, sua “sede de sangue”, não vinha do touro, que é herbívoro. A
bestialidade vinha da parte humana acéfala,
que instrumentalizava a força bruta do touro a serviço de sua existência doentia.
Assim, a besta é a
brutalidade hedionda. Quando ela ganha um rosto, nasce então um Hitler, um
Mussolini , um torturador, um miliciano...E quando a besta usa da palavra, essa
se torna instrumento do ódio, da violência ,
da ignorância , enfim, da besteira enquanto antifilosofia, antieducação
e anticonhecimento.
( Imagem: o livro de Zola , referência de Deleuze)
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