terça-feira, 8 de novembro de 2022

a besta humana...

 

Segundo Deleuze, “besteira” vem de “besta”. A besta não é um animal determinado, mas um “fundo indeterminado” oculto  em todo animal. Nos animais, porém, o instinto os dota   de certo comportamento reconhecível ,  impedindo que esse fundo obscuro da besta tome o animal.

O leão é o leão, a hiena é a hiena, o lobo é o lobo. A ferocidade desses animais não é maldade ou crueldade, mas ações que se explicam pelo instinto, pela natureza. Nenhum desses animais se comporta como uma besta indeterminada, pois seus comportamentos são explicáveis por sua natureza.

O homem é o único ser no qual o instinto não tem força para protegê-lo desse fundo indeterminado-obscuro,  tampouco pode a  inteligência , sozinha,  livrar o homem  da besta que vive nele.

As armas, por exemplo, são  ciências aplicadas ( física, mecânica, balística...)   a serviço da besta. O mundo digital, apesar de fruto da tecnologia avançada, também pode servir à mentalidade obscurantista e atrasada da besta.

Quando a besta toma a mente e a boca do homem, nasce então a besteira. Para quem sabe ouvir, crianças nunca dizem besteiras, somente os adultos que são uma besta  podem dizer besteiras que tanto doem ouvir.

 A besta pode até mesmo se servir da religião, tal como no fanatismo teológico-político  armado de intolerância. A besta pode se servir do Estado, nascendo assim o Leviatã Fascista raivosamente militarizado.

Quando a besta toma o homem, este se torna um ser irreconhecível , virando um bicho imprevisível que nem  a natureza  explica mais...

Incapaz de empatia, a besta zomba da morte, se compraz com a destruição e faz do negacionismo a sua   macabra religião.  Enfim,  a "besta" é a presença  no homem de um "buraco", de uma “obscuridade”,  de uma "morte".  Não a morte biológica, mas a morte como política: necropolítica.

Como a "besta" é movida por esse "buraco-negro", bestialmente se volta contra tudo aquilo que é criação de  luz,  como a educação, a cultura e as artes. A "besta" quer fazer tudo  ruir para seu buraco-negro para ver se o preenche, porém isso é impossível, o buraco é sem fundo... 

A besta  odeia  a natureza, e por isso quer  sempre  destruí-la : fisicamente, como faz com as florestas; ou simbolicamente,  com a “demonização”do corpo e do desejo.                                                                                                                                                                                                         

Na mitologia, a “Besta” era representada pelo Minotauro: metade touro, metade homem, a besta morava num lúgubre labirinto que prendia a todos e parecia não ter saída. Mas a bestialidade do Minotauro, sua “sede de sangue”,  não vinha do touro, que é herbívoro. A bestialidade vinha da  parte humana  acéfala,  que instrumentalizava a força bruta do touro  a serviço de sua existência doentia.

Assim, a besta é a brutalidade hedionda. Quando ela ganha um rosto, nasce então um Hitler, um Mussolini , um torturador, um miliciano...E quando a besta usa da palavra, essa se torna instrumento do ódio, da violência ,  da ignorância , enfim, da besteira enquanto antifilosofia, antieducação e anticonhecimento.


                             ( Imagem: o livro de  Zola , referência de Deleuze)



 

 

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