Como todos sabem, Cristo aconselhou
mais ou menos o seguinte: “Se te baterem numa das faces, ofereça a outra”.
Espinosa assim interpreta esse conselho :
Não se deve interpretar esse conselho de forma descontextualizada
. Segundo Espinosa, esse conselho levava em conta a situação política da época,
na qual não havia Estado de Direito para proteger os perseguidos pelo Estado-Totalitário de então.
Pois
a ideia de injustiça somente existe onde o Estado , enquanto instrumento
legítimo de todos, busca realizar a justiça protegendo a sociedade. Para isso,
é preciso que o Estado reconheça como cidadão aqueles que estão sob sua
influência e ação. São as próprias noções de cidadão e cidadania que impõem um freio à ação do Estado,
sobretudo de seu braço armado: o exército e as polícias.
Cristo aconselhou aqueles que o
Estado tratava não como pessoas ou cidadãos, mas como seres destituídos de dignidade e direitos, contra os
quais as forças repressivas do Estado-Totalitário atuavam como perversos carrascos .
Como poderiam os seres humanos
daquela época enfrentarem tais polícias
e exércitos ? Esses tinham lanças, armaduras, escudos, cavalos, flechas, enfim,
a força bruta armada, ao passo que os perseguidos por eles tinham apenas seu
corpo.
Em casos assim, a violência das
forças repressivas do Estado-Totalitário é pior do que a injustiça: é a barbárie
desumana fardada ( capaz até de transformar viatura policial em câmara de
gás...).
Assim, segundo Espinosa, Cristo quis
aconselhar acerca das estratégias que devemos ter ao resistirmos à barbárie da
tirania sem sucumbirmos: o adequado é , por fora, aparentar não resistir , para
dessa maneira melhor proteger a resistência interna e mantê-la viva.
Cristo não quis pregar aceitação
passiva da violência, tampouco resignação covarde. Ele deu um conselho
ético-político, uma regra de prudência prática, sobretudo quando o único bem
que temos é nossa vida.
Segundo Espinosa, Cristo jamais daria
o mesmo conselho se à época vigorasse o Estado
de Direito. Pois quando esse vigora , se
alguém fere uma de nossas faces devemos
agir para proteger a integridade e dignidade da outra face , para fazer
nascer dela a voz que denuncie o criminoso e conclame os
justos a fazerem juntos o coro que , com
firmeza e coragem, não se cala diante dos criminosos e suas ameaças.
Quando vigora o Estado de Direito, se
alguém nos fere uma das faces, tanto a
face individual quanto a coletiva, isso é crime que deve ser punido , sem
anistia.
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