sábado, 26 de novembro de 2022

rizomas...

 

Rizomas são plantas cujas raízes crescem horizontalmente. As folhas e flores de uma planta rizomática são pequenas e discretas. Quem olha para a parte visível de um rizoma e o compara com uma imponente palmeira real [1], por exemplo, não consegue ver o verdadeiro tamanho e força dos rizomas. Pois as raízes dos rizomas crescem logo abaixo do chão, na nervura da terra.

Suas raízes abrem-se em todas as direções , como afluentes de um rio que nunca para. Não raro, a extensão da raiz de um rizoma suplanta o tamanho visível de uma palmeira real, revelando que o rizoma expressa outro tipo de nobreza: enquanto a realeza da palmeira se mede em metros acima do chão , a nobreza dos rizomas se mede pelo tanto que eles se horizontam cobrindo a terra.

As palmeiras reais são símbolos do poder de castelos e palácios; mas os rizomas são plantas que constroem pluralmente um espaço aberto , democrático. Como as árvores, os rizomas também dão frutos , e alguns passarinhos que nidificam no chão preferem a horizontalidade de certos rizomas para construírem seus ninhos.

Às vezes , a gente olha para um campo e vê inúmeras flores , parecendo que cada uma existe isolada como um ego ensimesmado. Mas se a gente pudesse olhar um pouquinho abaixo da terra, veríamos que cada flor brota de um mesmo rizoma comum que as mantém conectadas .

Na Grécia acreditava-se que nos habitam três tipos de alma: a racional, a animal e a mais originária delas: a vegetal. Tudo o que em nós é rede que conecta, é a alma vegetal-rizomática  que cuida: rede de artérias que irrigam o  corpo de sangue, ar e vida; rede de neurônios que conectam ideias; rede de cabelos que ora se trança, ora se solta ( como Frida Kahlo em “Raízes”...).

E o mais surpreendente é a arte de que alguns rizomas são capazes: se tem um muro pela frente barrando o caminho , os rizomas sobem pelo muro , descem pelo outro lado e seguem adiante ;  noutras vezes, eles escalam o tronco de certas árvores, como fazem os cipós. Depois, os rizomas exploram determinado galho como se examinassem o peso que ele é capaz de suportar . Os rizomas então se enrolam no galho e descem feito cordas : para que a gente possa fabricar com elas um lúdico balanço para as crianças brincarem.

São raízes rizomáticas assim   que brotam na linguagem brincativa-pensante   do poeta: “A poesia que brota de mim tem raízes crianceiras. ”(Manoel de Barros)


 

( imagem: Deleuze & Guattari fazem do rizoma a inspiração para a criação de uma nova filosofia)





[1] Deleuze e Guattari fazem uma distinção entre as “filosofias arborescentes” e as “filosofias rizomáticas”. As primeiras são filosofias cuja raiz é imóvel, com seu tronco e galhos configurando  um sistema fechado. E crescem verticalmente visando alcançar uma Transcendência enquanto espaço antagônico à Terra. Já as filosofias rizomáticas crescem horizontalmente: elas não se fecham em sistemas, mas se abrem em conexões que povoam a Imanência, a Terra.  Os rizomas não possuem centro, uma vez que são multiplicidades. Filosofias arborescentes constroem sistemas de conceitos fechados, já as filosofias rizomáticas às vezes se expressam  por aforismos, séries, cartas, poemas ( como os pré-socráticos e Lucrécio), enfim, por redes abertas  de ideias que se agenciam a redes de Afetos.



( "Raízes"/ Frida Kahlo)



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