Nem todo mito ensina
sobre coisas dignas como a beleza ( Afrodite), as artes ( Dioniso), a justiça (
Zeus) e o conhecimento ( Atena). Há mitos que simbolizam a violência ( as
Fúrias) , a ignorância e sua visão estreita ( os Cíclopes).
As Fúrias e os Cíclopes
representam forças negacionistas e destruidoras que, ao longo da história, saem
do submundo sombrio onde se escondem e ganham novos rostos e nomes : Mussolini
,Hitler, Pinochet , Ustra , os assassinos de Marielle...
Mas há outro mito que
simboliza a ignorância e sua brutalidade física e simbólica. Trata-se de “Procusto”. Esse nome significa:
“Aquele que violenta, tortura, decepa, corta...”.
Procusto queria subir ao
Olimpo , porém não tinha dignidade e nem
valor para isso. Então, fingindo-se preocupado com a dor e sofrimento dos seres
humanos, armou um plano para ganhar
adeptos que o apoiassem em seu projeto de poder
para galgar o Olimpo e , dando um “golpe”, tomar o lugar de Zeus e Hera,
divindades da ética e da justiça.
Ardiloso e dissimulado,
Procusto veio para perto de uma estrada por onde passavam pessoas cansadas,
dizendo que queria oferecer para elas um amparo, um cuidado, mostrando assim
que ele era um “ser do bem” e fiel aos deuses.
Procusto lhes ofereceu
então uma cama. Porém, quando as pessoas se deitavam na tal cama acontecia o
seguinte: às vezes, sobravam da pessoa as pernas e a cabeça. Procusto pegava um
machado e lhes decepava as pernas e a cabeça. Noutras vezes, a pessoa que se
deitava era menor do que a cama. Procusto amarrava os membros da pessoa com uma
corrente e puxava com força , acabando por desmembrar as pessoas.
Indignadas, as pessoas protestaram
contra o carrasco: “Procusto, ao invés de ser um amparo, sua cama é uma
sentença de morte!”
Frio como todo ser
desprovido de empatia, Procusto se limitou a puxar do bolso uma régua e passou
a medir com rigidez militar a cama. Depois, virou-se para as pessoas e ,
ameaçando, disse: “Do que vocês estão reclamando!? A régua não mente...Acabei
de medir minha cama: ela é perfeita,
homogênea ,cada lado é igual ao outro. Se há alguma imperfeição, ela está em
vocês que , por serem heterogêneos e diferentes, não cabem na perfeição da
minha cama!”
A cama tolhedora de
Procusto pode receber ainda outros nomes: “minha Religião”, “meu Dogma”, “minha
Opinião”, quando ensejam fanatismo e
intolerância.
Essas camas da ignorância negacionista têm o
tamanho da pequeneza: só cabe nela quem aceita ficar acéfalo, sem cabeça; ou
diz “amém” servil e , sem pernas, põe-se de joelhos.
Uma sociedade livre nunca aceita caber em camas de Procustos, a não ser sendo violentada. Uma sociedade livre é aquela que só cabe em lugares abertos, plurais e democráticos .
(Imagem: obras de Tarsila do Amaral: a grande riqueza do Brasil é a sua heterogeneidade)
(imagem: “Tempo da fé”, exposição no
Museu da Maré mostrando a diversidade de
maneiras que a comunidade da Maré , terra de Marielle, vive o sagrado. A pluralidade
como antídoto ao fanatismo procustiniano do poder teológico-político).
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