sexta-feira, 29 de abril de 2022

pão e poesia

 

Uma das palavras mais bonitas da filosofia grega  é “eudaimonia”. No coração dessa palavra está o nome “Daimon”, pois “eudaimonia” é : “estar na companhia de um bom Daimon”. 

Em português,  “eudaimonia” significa  “felicidade”. Para os gregos, felicidade não é andar sozinho, mesmo que seja numa carruagem de ouro; felicidade é andar na companhia de um “bom Daimon”, agenciado.

Na mitologia, o Daimon não mora no inacessível e aristocrático Olimpo, o Daimon mora onde houver a necessidade de uma travessia, pois ele é a divindade dos caminhos, sobretudo    dos caminhos que urgem ser criados quando precisamos atravessar  desertos  ,  escapar de labirintos ou transpassar  rochedos.  

 Para os gregos, a felicidade não é propriedade egoica de um indivíduo, a felicidade é   agenciamento coletivo: impossível o indivíduo ser feliz se a pólis está triste, tampouco pode o indivíduo ter saúde com a pólis  doente.

Mas o Daimon só nos faz companhia se aprendermos a ser companhia. Nietzsche diz que certa vez um Daimon soprou esta lição em seu ouvido: “Odeio tanto seguir como ser seguido: para me acompanhar aonde vou, é preciso aprender a amar andar ao lado”.

“Companhia” vem de “com-panis”. E “panis” é, em português, “pão”. Assim, fazer companhia é  saber “dividir o pão”. Companheiros: “aqueles que dividem o pão”.

Há o pão que alimenta o corpo, como aquele que faltou ao povo e trouxe o sofrimento  da fome. A elitista Maria Antonieta, zombando, disse: “Não têm pão? Que comam brioches!”

Quando um povo não aceita  ser rebanho de Marias Antonietas de ontem e de hoje,  nasce nele    a fome por outro pão: o pão da dignidade e da justiça, pão que  tem o fermento da arte, da educação e da poesia,   pão que alimenta a luta contra as tiranias.

No livro “1984”, George Orwell diz que  uma das táticas do poder tirano é apagar certas palavras, para assim tentar apagar também da realidade seu sentido e prática.

Parece estar acontecendo isso com a palavra “trabalhador”, que o poder do Capital tenta apagar colocando no lugar “colaborador” ,isto é,  colaborador do Capital   ou “empreendedor”.

Com isso,  propaga-se  a ideologia de que o outro não é um companheiro, mas um “competidor”.

Nesta semana  em que se comemora o “Dia do Trabalhador”, o filme “Pão e Rosas”, de Ken Loach, é uma boa dica para inspirar nossas necessárias e urgentes lutas pelos dois pães, pois  o  título do filme também poderia ser : “Pão e Arte”, “Pão e Educação”, “Pão e Poesia”.  







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