quinta-feira, 7 de abril de 2022

as ruas

 

Os gregos inventaram a “ágora” , a praça pública, como espaço-símbolo  da democracia.  “Ágora”  vem de “agon” : “conflito”  ou “disputa”. Na ágora aconteciam disputas  travadas com palavras. 

Os romanos, por sua vez,  inventaram as ruas. Não como espaço político,  mas como meio de travessia   para além dos muros das cidades:  as ruas atravessavam  espaços livres e  não povoados.

Impérios  e cidades desapareceram  destruídos por guerras ou catástrofes: com eles, desapareceram também suas praças.

Mas as ruas que atravessam campos e espaços abertos nunca desaparecem totalmente : se ninguém mais passa por elas, as ruas se integram à natureza , tornando-se trilhas em esboço que somente os andarilhos nômades sabem achar.

A Revolução Francesa se inspirou no ideário da praça como espaço de poder a se contrapor aos templos da intolerância religiosa  e aos castelos dos senhores feudais. Surgem então os “parlamentos”: lugar onde “parla-se” (ou  “fala-se”) . 

Potencializando ainda mais a ideia de democracia, Espinosa dizia que mais importante do que a praça é a rua , sobretudo como espaço comum para abrigar a multiplicidade reunida para defender a liberdade   e  se opor  a toda forma de tirania.

As ruas vão além do “parla-se”, pois nelas sobretudo  age-se.  Por isso, a rua é espaço mais plural e libertário: suas cores não são apenas o “verde e o amarelo”, pois as ruas também se deixam colorir pelo vermelho, pelo lilás  e pelo arco-íris inteiro.

A multiplicidade unida nunca cabe totalmente no espaço centrípeto das praças, pois somente no espaço centrífugo das ruas cabe o existir em movimento da multiplicidade agenciada , cuja potência excede o poder de governos e Estados: enquanto a  força destes é a da mera polícia,   a potência da multiplicidade  é o desejo comum por justiça, igualdade , liberdade  , democracia, vida.

 Da praça nasceu o parlamento para se opor aos templos e castelos. Porém quando o próprio parlamento se torna sucursal do templo teológico-político e de   mentalidades medievais encasteladas, somente as ruas têm força para agenciar nossa liberdade plural , e assim ser  nosso escudo contra o fascismo e suas tentativas de nos atemorizar com suas ameaças.

As praças simbolizam o centro das cidades, ao passo que as ruas  são rizomas que alcançam também as periferias e  margens, conectando aqueles a quem o poder centralizador exclui e marginaliza.

A rua assim compreendida será sempre  o espaço múltiplo e aberto daqueles que defendem a democracia,  sendo muito maior    que esse infame conluio entre templo teológico-político  , quarteis e milícias.

 

"A rua põe sentido em mim. "(Manoel de Barros)

“Sim, as ruas têm alma!” (João do Rio)




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