A palavra “mitologia” tem dois
sentidos: 1- conjunto dos mitos produzidos por um povo ( e não apenas pelo povo
grego); 2- estudo dos mitos. Infelizmente, nenhum desses dois sentidos traduz a
experiência originária dos povos que viveram e criaram os mitos, pois são sentidos
teóricos nascidos bem depois daquela
experiência concreta e originária.
Devido ao desconhecimento dessa
experiência originária com o sentido da vida e da existência , muitos hoje desdenham da mitologia, e
consideram que é mais “útil” ensinar aos jovens “cartilhas” e “tabuadas” que adestrem para aquilo que o mercado exige.
Assim, “mitologia” ou “mito” não são bons nomes para designar a experiência originária
que vários povos fizeram, e fazem, para darem sentido à existência pessoal e
coletiva. Em vez de “mitologia” ou “mito”, prefiro empregar o termo
“empoemamento originário”.
É Manoel de Barros quem ensina que
poesia não é só escrever rimas e versos, pois poesia é, antes de tudo,
experiência de empoemamento.
Empoemar-se não é apenas ler versos,
empoemar-se tampouco é somente contemplar o que é “belo”.
“Poesia” vem de um verbo grego que
significa “produção”. Assim, empoemar-se é produzir a si mesmo agenciado com o
outro, com o mundo, com o cosmos. Empoemar-se é o contrário do anular-se .
Empoemar é um verbo que se conjuga em
todos os tempos, em plurais modos e em todas as pessoas do singular e do
plural. Empoemar-se também é ação clínica, política , ética e pedagógica.
Sob essa perspectiva , a experiência
originária que gerou os mitos não está apenas no passado . O sentido de se ler
os mitos hoje é para fazer reviver em
nós, aqui e agora, aquela experiência. Não para que repitamos o que Homero e
Hesíodo disseram, mas para que possamos (re)aprender a produzir sentidos que repotencializem
a vida com força regeneradora e criativa.
Não apenas os gregos fizeram essa
experiência com a poesia originária, nossos povos indígenas também o fizeram e perseverantemente ainda o
fazem para se manterem vivos. Segundo Krenak, o poeta da tribo tem o seguinte
nome: “pessoa coletiva”. O poeta da tribo trava batalhas diferentes daquelas que
os guerreiros travam; ele exerce um tipo de poder mais poderoso do que o do
cacique; e promove curas ainda mais
necessárias à vida da tribo do que as curas do pajé.
Com suas narrativas originárias, o poeta da tribo empoema a coletividade
e evoca a força dos ancestrais para que as florestas de Pindorama resistam de pé plenas de vida . Com sua
palavra geradora , o poeta da tribo age
para adiar o fim do mundo...
Até fascistas às vezes são chamados
de “mito”... Porém é sempre libertária a
experiência originária que empoema a existência e a fortalece frente a tudo
aquilo que , ontem e hoje, a põe sob risco.
“A literatura é o esforço para
interpretar engenhosamente os mitos
que não mais se compreende, por não sabermos
mais sonhá-los ou produzi-los.”(Deleuze)
“Tenho em mim um sentimento de aldeia
e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. Não
sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre chegar
ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de ser
virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a conhecer
melhor os índios.” (Manoel de Barros)
Esta música do vídeo é cantada nos
ritos de iniciação dos jovens Kayapós à vida em comunidade. A letra lembra aos
jovens que os Ancestrais também sãos os rios, as árvores, enfim, a terra que dá
alimento e proteção; e que não há futuro digno sem manter viva a memória coletiva dos
Ancestrais:
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