segunda-feira, 18 de abril de 2022

palavra muda e devir-só

 

PARA VENCER A SOZINHEZ

 ( apresentação que escrevi para o livro “Palavra Muda”, do poeta Paulo Vasconcelos)

 

 Segundo o poeta Manoel de Barros, poesia não é apenas verso e rima no papel, poesia é  empoemamento : horizontamento da alma. Cada poeta , quando é um poeta de fato, nos empoema inventando o sentido e o ser do que seja  poesia.

“Palavra é sempre muda”, dizem, “quem fala é a boca”.  Mas Paulo nos ensina que a própria palavra pode ser muda, para assim expressar  o que não consegue dizer a mera boca  que apenas diz palavra.

Paulo inventa um devir-só repleto de esvaziamento de egos. Devir-só não é a mesma coisa que ser sozinho. Esse devir-só é o dizer de  quem expressa , das coisas mais comuns, o seu incomum único.

Paulo data alguns poemas ao modo de   acontecimentos de um diário. São poemas com registro de nascimento , dia e hora, dando a ver que poema é acontecimento unindo  o íntimo lírico ao   social e histórico.

O poeta é um “cristo pagão” que aceita sua solidão acompanhada de deuses, muitos deuses, os do dia e os da noite, sobretudo estes, e ainda mais alguns que carecem de nome, mas não de ser.

Solidão é o dão de quem se dá (“poesia é coisa de dão”, Manoel de Barros). Paulo escreve como quem se esvazia  para que nada resista à poesia que o preenche. Ele se desvencilha do gozo de uma  “sozinhez” narcísica, para assim narrar, não sem dor,  as solidões da singularidade ao mesmo tempo simples e refinada. Em seus versos há perceptos de paisagens sem homens, feitas  de mar , de peixes e desmesuras aquáticas; há montanhas e suas alturas, mas também há o tecido urbano, no qual o humano está à  procura de si mesmo.

Há um fio entre o verso e  nós. O fio não nasce de um ponto, ele nasce de um novelo que Paulo desdobra , esvaziando-se . Não é palavra o que ele nos dá, ele nos dá uma canção que espera o amor voltar para atenuar as dores dessa “difícil vida danada”,  que mesmo assim é celebrada , sem arrependimentos , sem culpa, com boa vodca.

Um “deus” com “d” minúsculo faz-se mais humano que o homem, ele aprende o desejo, a saudade, tem pai mortal e lê cordel. Assim, esse deus      não espera obediência, apenas que o vejamos    incorporando-se “natureza e tempo” , para assim também nos fazer gente, tempo, lua, saudade não nostálgica.

A palavra muda não é a que ausenta a palavra, a palavra muda é a conquista de um silêncio completo: diz tudo sem dizer nada, pois não o diz com o som, o diz apenas com o sentido artesanado.




 



Nenhum comentário: