PARA VENCER A SOZINHEZ
( apresentação que escrevi para o livro
“Palavra Muda”, do poeta Paulo Vasconcelos)
Segundo o poeta Manoel de Barros, poesia não é
apenas verso e rima no papel, poesia é empoemamento
: horizontamento da alma. Cada poeta , quando é um poeta de fato, nos
empoema inventando o sentido e o ser do que seja poesia.
“Palavra é sempre muda”, dizem, “quem
fala é a boca”. Mas Paulo nos ensina que
a própria palavra pode ser muda, para assim expressar o que não consegue dizer a mera boca que apenas diz palavra.
Paulo inventa um devir-só
repleto de esvaziamento de egos. Devir-só não é a mesma coisa que ser
sozinho. Esse devir-só é o dizer de
quem expressa , das coisas mais comuns, o seu incomum único.
Paulo data alguns poemas ao modo
de acontecimentos de um diário. São
poemas com registro de nascimento , dia e hora, dando a ver que poema é
acontecimento unindo o íntimo lírico
ao social e histórico.
O poeta é um “cristo pagão” que
aceita sua solidão acompanhada de deuses, muitos deuses, os do dia e os da
noite, sobretudo estes, e ainda mais alguns que carecem de nome, mas não de
ser.
Solidão é o dão de quem se dá
(“poesia é coisa de dão”, Manoel de Barros). Paulo escreve como quem se
esvazia para que nada resista à poesia
que o preenche. Ele se desvencilha do gozo de uma “sozinhez” narcísica, para assim narrar, não
sem dor, as solidões da singularidade ao
mesmo tempo simples e refinada. Em seus versos há perceptos de paisagens
sem homens, feitas de mar , de peixes e
desmesuras aquáticas; há montanhas e suas alturas, mas também há o tecido
urbano, no qual o humano está à procura
de si mesmo.
Há um fio entre o verso e nós. O fio não nasce de um ponto, ele nasce
de um novelo que Paulo desdobra , esvaziando-se . Não é palavra o que ele nos
dá, ele nos dá uma canção que espera o amor voltar para atenuar as dores dessa
“difícil vida danada”, que mesmo assim é
celebrada , sem arrependimentos , sem culpa, com boa vodca.
Um “deus” com “d” minúsculo faz-se
mais humano que o homem, ele aprende o desejo, a saudade, tem pai mortal e lê
cordel. Assim, esse deus não espera
obediência, apenas que o vejamos
incorporando-se “natureza e tempo” , para assim também nos fazer gente,
tempo, lua, saudade não nostálgica.
A palavra muda não é a que ausenta a
palavra, a palavra muda é a conquista de um silêncio completo: diz tudo sem
dizer nada, pois não o diz com o som, o diz apenas com o sentido artesanado.
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