sexta-feira, 15 de abril de 2022

das lagartas...

 

Muito se fala, com razão, das borboletas. São exaltadas sua beleza,  cores e destreza alada. Na Grécia, por exemplo, as asas metamórficas das borboletas eram consideradas símbolos de Eros, o Deus do Amor.

Porém, pouco se fala da lagarta nesse processo. Muitos a tratam como uma roupa velha e carcomida ,  abandonada pela borboleta que voa  colorida. Considero isso uma  injustiça contra essa artista.

Sim, pois a lagarta é uma artista , uma artista que trabalha em silêncio, longe dos holofotes e das vistas, como Espinosa cuidadosamente polindo as lentes que fabricava , até poderem ser lunetas  mirando  as  estrelas infinitas  .

De tudo o que ingere da natureza, a lagarta depura e destila um fio de seda. Com esse fio, sem que ninguém  veja , ela vai bordando dentro de si uma arte, um rascunho de vida futura, como a natureza cheia de vida e cores que Maud Lewis criou com sua pintura, apesar das imensas dificuldades físicas e sociais que sofria.

O fio de seda  é ,para a lagarta, o mesmo que as palavras são para o poeta ou as cores   para todo artista : linha de fuga e liberdade.

Com o fio das cores, Maud Lewis reinventou-se gato, borboleta, flores, paisagens...Vida expressa de forma singular e  variada, simples e complexa. Com arte e cores também se afirma e se luta.

Pois  chega enfim o dia em que a arte fica  pronta, a lagarta não pode mais esconder de ninguém a artista que é por dentro . Confiante , ela parteja a si mesma do casulo-útero que fabricou , vestindo-se  com a arte que agora também é sua pele verdadeira  .

Já não há mais contradição consigo mesma : agora,  ela é por fora como já era por dentro, todo mundo agora vê a borboleta.

E com as asas que bordou com o fio de seda, ensina a reinventar-se, para que assim , quem sabe, a gente também seja.

 

 

“Penso renovar os homens usando borboletas.” (Manoel de Barros)

 

 

 

( imagem: “Gato malhado”, obra de Maud Lewis )



-Filme sobre a vida e obra da artista:



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