No poema “O albatroz”, o poeta
Baudelaire nos explica o motivo de o
albatroz ser o pássaro de maiores asas: é porque ele aceita o desafio do
oceano. “Venha voar sobre mim se tiver coragem!”, assim é o desafio do oceano
infinito .
A maioria dos pássaros voa apenas de
ilha em ilha, perto do litoral conhecido, muito longe não se aventurando. Mas o
albatroz criou imensas asas porque ele ouviu e aceitou o desafio . Quem voa sobre oceanos se desterritorializa e corre
riscos, nunca sabendo se vai achar onde
pousar. Voar assim só voa quem confia em suas asas.
O albatroz é capaz de ficar uma semana voando
sem parar ! Quando tem sede , ele atravessa
as nuvens e bebe a água diretamente sob a forma de gotículas, antes de
elas caírem como chuva e se tornarem o próprio oceano .
O albatroz também inventou outra arte
em sua travessia: enquanto voa, metade de seu cérebro dorme, fechando um dos
olhos, enquanto a outra metade fica de
vigília , mantendo o outro olho aberto . Um olho sonha, o outro ao horizonte
mira.
Porém se engana quem pensa que é
apenas o olho aberto que guia o
albatroz: pois quando nuvens negras barram sua visão, é com o olho que sonha
que o albatroz avança em sua linha de fuga descobridora de caminhos.
Às vezes, no meio do oceano o albatroz vê abaixo de si um navio, ele
então desce e pousa no convés para descansar um pouco. O albatroz tenta fechar
e guardar suas asas, porém elas são
maiores do que ele: hábeis para voos no céu, elas atrapalham o andar no chão rasteiro. Resultado: no convés o albatroz anda desajeitado, o que faz a
marujada rir zombeteiramente.
Quando enfim descansa, o albatroz
novamente abre as asas e faz do vento uma escada para subir até ao altar azul
onde novamente será coroado Príncipe dos Ares.
Vendo o albatroz se elevar, a marujada cala o
riso e algo neles se eleva também. Mas o capitão do navio , destilando
ódio ,
xinga coisas que traduzidas para o
mundo de hoje seriam mais ou menos assim
: “esse pássaro maldito deve ser comunista ou anarquista! Veio aqui
perturbar a Ordem e o Progresso dos homens de bem!”, grita o capitão cuja
bandeira tremulava com uma sinistra caveira da morte pintada.
Tentando se vingar do albatroz , o
capitão-paranoico atira flechas e balas de canhão contra o
pássaro-libertário. Porém o albatroz voa
tão alto e potentemente, que não o alcançam flechas, canhões e nem as opiniões de
ódio dos que veem nos seres livres uma
ameaça .
E quando vê a tempestade adiante , o
albatroz não teme ou recua: ele a atravessa pelo meio e segue em frente.
(imagem: “Albatroz”/ obra de Graça
Craidy, a quem agradeço o gentil presente. Acrescentei o verso do Manoel)
2 comentários:
Maravilha@
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
(Baudelaire, 1985)
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