quarta-feira, 27 de abril de 2022

o albatroz

 

No poema “O albatroz”, o poeta Baudelaire nos explica o  motivo de o albatroz ser o pássaro de maiores asas: é porque ele aceita o desafio do oceano. “Venha voar sobre mim se tiver coragem!”, assim é o desafio do oceano infinito .

A maioria dos pássaros voa apenas de ilha em ilha, perto do litoral conhecido, muito longe não se aventurando. Mas o albatroz criou imensas asas porque ele ouviu e aceitou o desafio .  Quem voa sobre  oceanos se desterritorializa e corre riscos,  nunca sabendo se vai achar onde pousar. Voar assim só voa quem confia em suas asas.

 O albatroz é capaz de ficar uma semana voando sem parar ! Quando tem sede , ele atravessa  as nuvens e bebe a água diretamente sob a forma de gotículas, antes de elas caírem como chuva e se tornarem o próprio oceano .

O albatroz também inventou outra arte em sua travessia: enquanto voa, metade de seu cérebro dorme, fechando um dos olhos,  enquanto a outra metade fica de vigília , mantendo o outro olho aberto . Um olho sonha, o outro ao horizonte mira.

Porém se engana quem pensa que é apenas  o olho aberto que guia o albatroz: pois quando nuvens negras barram sua visão, é com o olho que sonha que o albatroz avança em sua linha de fuga descobridora  de caminhos.

Às vezes, no meio do oceano   o albatroz vê abaixo de si um navio, ele então desce e pousa no convés para descansar um pouco. O albatroz tenta fechar e guardar suas asas, porém  elas são maiores do que ele: hábeis para voos no céu, elas atrapalham o andar no  chão rasteiro. Resultado: no convés  o albatroz anda desajeitado, o que faz a marujada rir zombeteiramente.

Quando enfim descansa, o albatroz novamente abre as asas e faz do vento uma escada para subir até ao altar azul onde novamente será coroado Príncipe dos Ares.

 Vendo o albatroz se elevar, a marujada cala o riso e algo neles se eleva também. Mas o capitão do navio , destilando ódio  ,  xinga coisas que traduzidas para o  mundo de hoje seriam mais ou menos assim  : “esse pássaro maldito deve ser comunista ou anarquista! Veio aqui perturbar a Ordem e o Progresso dos homens de bem!”, grita o capitão cuja bandeira tremulava com uma sinistra caveira da morte pintada. 

Tentando  se vingar do albatroz , o capitão-paranoico  atira   flechas e balas de canhão contra o pássaro-libertário. Porém  o albatroz voa tão alto e potentemente, que não o alcançam flechas, canhões e nem as opiniões de ódio  dos que veem nos seres livres uma ameaça  .

E quando vê a tempestade adiante , o albatroz não teme ou recua: ele a atravessa pelo meio e segue em frente.

  

 

(imagem: “Albatroz”/ obra de Graça Craidy, a quem agradeço o gentil presente. Acrescentei o verso do Manoel)







2 comentários:

Safira disse...

Maravilha@

cauepizindim disse...

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada

Não bordaram ainda com desenhos finos

A trama vã de nossos míseros destinos,

É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

(Baudelaire, 1985)