Pelo telefone ,eu conversava ontem com
uma amiga acerca dessa situação penosa que estamos passando, na qual as questões sanitárias são agravadas pelas ameaças fascistas ( eu
mesmo fui ameaçado recentemente por um deles...).
Então, disse à amiga que, devido à necessidade ainda de certa reclusão social por
conta da pandemia, me esforço para atravessar
esse difícil período tal como Zaratustra em sua “caverna”.
Como ela me indagou acerca dessa
imagem da “caverna”, e como nunca perco a oportunidade de filosofar...rs..., conversei
com a amiga mais ou menos o seguinte:
Há dois tipos de caverna: a
caverna-limitação que rouba a visão do horizonte e aprisiona na ignorância,
como é a “caverna-obscurantista” de que fala Platão; e há ainda uma caverna muito diferente, uma
caverna como espaço clínico para metamorfoses: uma caverna-casulo, como o espaço de aprendizado-metamorfose pelo
qual passou Zaratustra, o personagem filosófico de Nietzsche.
Quando a Mãe-Terra Gaia emergiu , abriram-se nela algumas cavernas que se
tornaram abrigo e útero. Ainda criança,
Dioniso refugiou-se numa caverna assim
para proteger-se de seus carrascos, os inimigos da vida e da arte.
E foi no interior de uma caverna
semelhante que há milhares de anos nos tornamos humanos. Esse processo não teria acontecido
sem a caverna-útero ancestral, em cujas paredes aprendemos a expressar a riqueza multivariada do mundo sob a forma de uma poesia nascida antes
mesmo que houvesse palavra, uma poesia desenhada com cores : a arte rupestre.
A caverna poético-filosófica não é uma caverna que isola, ela é um espaço anímico e corpóreo para proteção e cuidados:
uma acolhida que abraça todo o nosso ser e regenera , como a Pachamama de Frida Kahlo.
Enquanto a caverna de Platão rouba a
amplitude da visão , a caverna de Nietzsche é um espaço transfigurador para a
criação de novos olhos.
A caverna de Platão é a solidão
numérica do rebanho , ao passo que a caverna de Nietzsche é a (re)descoberta da
singularidade .
Os que vivem na caverna de Platão
imaginam que sua
caverna-apequenadora é o próprio
mundo ( alienados que são dos limites de sua “bolha”), mas a razão de ser da
caverna de Nietzsche é para que, após
agirmos clinicamente sobre nós mesmos, saiamos
dela mais fortes para agirmos sobre o mundo, unindo palavra e ação.
A caverna de Platão é a
antifilosofia; já a caverna de Nietzsche , caverna-útero da vida pensante, a
podemos achar na filosofia, na poesia
, na literatura ,vendo filmes , ouvindo música... bem como numa
conversa amiga .
“Não acredito em coisa alguma à qual
eu não esteja ligado pela sensibilidade de um cordão pensante.” (Artaud)
(imagem: “O abraço de amor de
Pachamama, a Mãe-Terra”/ Frida Kahlo).
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