sábado, 5 de fevereiro de 2022

as duas cavernas

 

Pelo telefone ,eu conversava   ontem com uma amiga acerca dessa situação penosa que estamos passando, na qual as questões sanitárias  são agravadas pelas ameaças fascistas ( eu mesmo fui  ameaçado recentemente  por um deles...).

Então, disse à amiga que, devido  à  necessidade ainda de certa reclusão social por conta da pandemia,  me esforço para atravessar esse difícil período tal   como Zaratustra em sua “caverna”.

Como ela me indagou acerca dessa imagem da “caverna”, e como nunca perco a oportunidade de filosofar...rs..., conversei com a  amiga mais ou menos o seguinte:

Há dois tipos de caverna: a caverna-limitação que rouba a visão do horizonte e aprisiona na ignorância, como é a “caverna-obscurantista” de que fala Platão; e  há ainda uma caverna muito diferente, uma caverna como espaço clínico para metamorfoses: uma caverna-casulo,  como o espaço de aprendizado-metamorfose pelo qual passou Zaratustra, o personagem filosófico de Nietzsche.  

Quando a Mãe-Terra Gaia emergiu  , abriram-se nela algumas cavernas que se tornaram abrigo e útero. Ainda  criança, Dioniso refugiou-se  numa caverna assim para proteger-se de seus carrascos, os inimigos da vida e da arte.

E foi no interior de uma caverna semelhante que há milhares de anos nos tornamos  humanos. Esse processo não teria acontecido sem a caverna-útero ancestral, em cujas paredes aprendemos a expressar  a riqueza multivariada do  mundo sob a forma de uma poesia nascida antes mesmo que houvesse palavra, uma poesia desenhada com  cores : a arte rupestre.  

A caverna poético-filosófica  não é uma caverna que isola, ela é um espaço  anímico e corpóreo para proteção e cuidados: uma acolhida que abraça todo o nosso ser e regenera ,  como a Pachamama de Frida Kahlo.

Enquanto a caverna de Platão rouba a amplitude da visão , a caverna de Nietzsche é um espaço transfigurador para a criação de novos olhos.

A caverna de Platão é a solidão numérica do rebanho , ao passo que a caverna de Nietzsche é a (re)descoberta da singularidade .

Os que vivem na caverna de Platão imaginam que sua  caverna-apequenadora  é o próprio mundo ( alienados que são dos limites de sua “bolha”), mas a razão de ser da caverna de Nietzsche é para que,  após agirmos clinicamente   sobre nós mesmos, saiamos dela mais fortes  para agirmos  sobre o mundo, unindo   palavra e ação.

A caverna de Platão é a antifilosofia; já a caverna de Nietzsche , caverna-útero da vida pensante, a podemos achar na   filosofia,   na poesia ,  na literatura ,vendo  filmes , ouvindo música... bem como numa conversa amiga .

 

“Não acredito em coisa alguma à qual eu não esteja ligado pela sensibilidade de um cordão pensante.” (Artaud)

 

(imagem: “O abraço de amor de Pachamama, a Mãe-Terra”/  Frida Kahlo).














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