domingo, 20 de fevereiro de 2022

em busca do tempo perdido

 

“Em busca do tempo perdido” fala do mais necessário dos aprendizados, um aprendizado tão necessário quanto difícil.

Não é um aprendizado a ser feito por crianças a serem educadas , tampouco por  adultos que pouco estudaram.

O aprendizado de que trata a obra  deve ser buscado por  alguém que sabe usar as palavras e se formou aprendendo  teorias, mas que se dá conta que as teorias já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada, nada ensinam.

Esse aprendizado , portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se trata do tempo preso na gaiola  abstrata  do relógio , e sim do tempo concreto ,  duração  intensiva  da vida e do mundo. 

 “Perdemos o tempo”  mais do que o vivemos, enquanto ignorarmos seu aprendizado. 

O primeiro aprendizado vem acompanhado da angústia em perceber que o “tempo que se perde” somente sabemos dele depois que ele passa : o “mesmal” do viver resignado nos faz perder presentemente o tempo, sem disso nos darmos conta.

O segundo aprendizado pode vir  das relações afetivas, enquanto  projetos em comum de futuro. Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se tempo perdido que , apesar de passado, ainda pesam no presente. Essa vivência  do “tempo perdido” não se faz sem decepção e dor. É por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu início, doloroso.

Até que pode advir um terceiro aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. Aqui quem nos auxilia é  uma memória artista e clínica . Essa memória pode nos ensinar  que no passado vivido havia realidades  que  não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme , a insegurança ou o desejo de posse.  No seio do tempo perdido a memória não ressentida redescobre lição nova. Não podemos mudar o passado, porém podemos evitar que ele seja um peso para o nosso presente.

A última etapa da aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo é redescoberto aqui e agora, e não no passado. Ele não é futuro planejado , ele é o amanhã criado a partir de agora, como antídoto à perda presente do tempo  e libertação do tempo que passou .

No sentido bem amplo da palavra, e dito de maneira simples, o tempo redescoberto é a descoberta da arte em seu sentido existencial, enquanto potência (re)criadora da própria vida, pessoal e coletiva.

O tempo redescoberto nos ensina que redescobrir o tempo é redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde e no tempo perdido somos nós mesmos que nos perdemos.

Tempo que se perde , tempo perdido , tempo que se redescobre e tempo redescoberto : esse é o caminho do aprendizado cujo mestre é o tempo.

O filósofo Gilles Deleuze assim resume a lição mais importante desse aprendizado: "O aprender vem antes do ensinar.”





Trecho do filme “Lavoura arcaica” ( no vídeo,   o ator Raul Cortez lê um texto de  Raduan Nassar):















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