terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

a semente

 

Certa vez, quando eu passava por um momento muito difícil , sonhei que seria operado do coração. Angustiado, eu pensava que não sobreviveria à operação. Não sei como fui parar ali, por quais caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma operação e eu era o paciente a ser operado.

De repente, adentra a sala de cirurgia o cirurgião. Ao vê-lo, meu medo desaparece, cheguei até a sorrir...Pois o médico que me operaria era nada mais nada menos do que o poeta Fernando Pessoa!

No princípio, achei estranho . Mas depois entendi que fazia sentido ser um poeta o cirurgião de um coração angustiado.

Sem demora, o cirurgião-poeta abriu meu peito, mas não com bisturi : não sangrou , nem houve dor. Ele enfiou uma das mãos, porém não foi suficiente. Somente as duas mãos do poeta conseguiram tirar meu coração do peito .

"Seu coração  está pesado como um paralelepípedo! Preciso extrair o que lhe pesa”, diagnosticou o cirurgião-poeta. “O que lhe pesa não é coisa física, o que lhe pesa é a mágoa com o passado, a decepção com o presente , o medo do futuro e a descrença nos homens”, disse-me ele enquanto extraía tudo isso.

Quando olhei para a mão do poeta , meu coração estava minúsculo, parecendo uma semente salva de um fruto que perecia. Indaguei : “poeta, com esse coração pequenino como vou sobreviver!?”

O cirurgião-poeta então respondeu, terminando sua arte, sua “clínica”: “Ele está assim pequeno porque  deixei apenas o coração da criança.”

Após ouvir isso despertei, e não apenas daquele sonho. Ainda deitado, olhei para a janela: já amanhecia . Queria registrar o sonho e me virei para procurar  caneta e papel. Então, algo que estava sobre meu peito caiu ao meu lado na cama, era um livro que adormeci lendo: “O Eu Profundo e os outros Eus”, de Fernando Pessoa.


"As terapias verbais me terapeutam." (Manoel de Barros)


(amigas e amigos: fui avisado de que este texto que escrevi há tempos está circulando no face e blogs sem os devidos créditos. Até onde pude perceber, esses que repassaram o texto sem os devidos créditos não são meus amigos aqui no face, não sei como o texto chegou até eles...Uma das pessoas que repostou chegou a insinuar que o texto não é meu, e sim de Manoel de Barros! É uma honra para mim ter um texto meu  atribuído ao grande poeta que tanto admiro. Mas o texto é de minha autoria , e o processo doloroso  relatado em palavras, do qual o texto é a superação, esse processo doloroso também foi vivido por mim, e é devido a essa superação clínica feita com poesia, e não por questões de vaidade intelectual, que peço  aos mal-intencionados, que são poucos felizmente,  que respeitem a autoria do  que escrevi)







Amigas e amigos: este texto que a Leila Pinheiro está tão belamente lendo no vídeo ( cujo link se encontra abaixo)  não é do querido e inspirador poeta Manoel de Barros, e sim de minha autoria. O verso de Manoel é só uma epígrafe escolhida por mim para o texto. É claro que a Leila , de quem sou fã e fico muito honrado de ver algo que escrevi sendo lido por ela, a Leila portanto nada tem a ver com o equívoco, ela já recebeu o texto com o crédito indevido. Assim, gostaria de pedir um favor às amigas e amigos que puderem: que entrem na postagem original na página da Leila  e comuniquem o fato, pois o tamanho da confusão é proporcional ao número de visualizações e compartilhamentos desse erro , do qual a Leila, repito, não é a responsável. Eu já tentei de todos os meios entrar em contato com ela e a assessoria dela, mas por mensagens e e-mails é muito difícil, talvez nem chegue a ela. Creio que alertando diretamente na postagem  dela é mais adequado. O verso citado,  "Os delírios verbais me terapeutam ", de Manoel, é parte do poema "Desejar ser", do "Livro sobre nada." Obrigado 🤝🌻🍀🌹

https://www.facebook.com/watch/?v=3235867583307910





- Há também uma versão em verso desse sonho que escrevi em 2009:


A SEMENTE

 

Um sonho tive ontem:

do coração eu era operado.

 

O tão temido médico esperado,

ao entrar, tranquilizou-me:

pois o cirurgião era o poeta Fernando Pessoa.

Sabedor do meu caso, ele me disse:

“só a poesia pode operar um coração adoecido”.

 

Após abrir meu peito,

o poeta pôs em sua mão meu coração

e o avaliou com peso excessivo.

 

Nada restava a fazer,

senão cortar o que nele era peso.

 

Ao invés de músculo ou nervo,

o poeta foi extraindo do meu coração

o mal que o sobrecarregava:

do meu coração o poeta  extraiu a descrença,

a desconfiança

e toda mágoa.

 

No fim  da operação,

o poeta tinha em sua mão

um diminuto coração que mal preenchia o meu peito.

Temendo não sobreviver com ele,

disse ao poeta que daquela operação

eu não sairia sobrevivente.

 

“Do seu velho coração, disse-me o poeta,

  extraí o que doía  e deixei a parte imortal,

  aquela da qual se renasce:

  o coração de criança como semente."


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